São Paulo, domingo, 28 de setembro de 1997
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'T' de terrorista é código em documento

DA REPORTAGEM LOCAL

São muitas as evidências de que a morte de Neide tem motivação política. A começar por um detalhe que consta da requisição para que seu cadáver fosse submetido a exame necroscópico. A letra "T", escrita à mão, que consta da requisição, significa terrorista.
Esse detalhe esteve presente em inúmeros pedidos de necropsia de pessoas mortas durante o regime militar. "Era uma forma de pedir ao Instituto Médico Legal para dar um tratamento diferenciado a esses corpos", diz Suzana Lisboa, da comissão de familiares de mortos.
Em todos os casos em que havia a letra "T", segundo Suzana, os laudos dos IMLs sempre confirmavam a versão de suicídio ou tiroteio divulgada pelos militares.
No caso de Neide, o pedido de autópsia levanta ainda outras suspeitas. Há dúvidas sobre o suicídio com fogo. A versão foi dada por militares aos familiares de Neide.
O médico legista Nelson Massini, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, diz que suicídio com fogo é um caso raríssimo na medicina legal. Pesquisa feita por ele, sobre a causa de mortes de prisioneiros políticos, aponta para pelo menos seis casos de pessoas que morreram em situações similares.
Em todos os casos, segundo ele, eram falsas as versões sobre mortes com fogo. No caso de Neide, outro fato suspeito é a forma como a delegacia registrou sua morte. A versão é de suicídio, mas o delegado que assinou a ocorrência assinala "morte natural". Morte por incêndio, mesmo por suicídio, não é considerada natural.
O delegado Sylvio Paglia, cujo nome aparece no boletim de ocorrência, diz que jamais tomou conhecimento do caso. De fato, a assinatura de Paglia não aparece nos documentos. Alguém, que ele diz desconhecer, assinou seu nome no boletim de ocorrência.
No mesmo documento, a causa da morte não consta de nenhum dos oito itens do formulário que explicam o óbito. De forma igualmente estranha, alguém escreveu a palavra "queimaduras" entre os itens "homicídio" e "acidente". O quadro reservado para "suicídio" permaneceu em branco.
Os autores da necropsia foram indicados pelo legista Harry Shibata, que aparece em idêntico processo nas mortes de Herzog e Fiel Filho. O legista Persio Carneiro foi um dos responsáveis pela necropsia. Seu laudo diz que Neide morreu por causa de queimaduras, sem explicar as circunstâncias. Em 96, o Conselho de Medicina de São Paulo cassou o registro de Carneiro por ter assinado laudos falsos em mortes com motivos políticos.
Outro dado suspeito na morte de Neide é a delegacia em que o caso foi registrado. Neide morreu no Hospital do Tatuapé, mas a ocorrência da morte foi feita no 28º Distrito Policial, na Freguesia do Ó, do outro lado da cidade.

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