São Paulo, domingo, 28 de setembro de 1997
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Cartograma global

JEAN M. CARVALHO FRANÇA
ESPECIAL PARA A FOLHA

A Internet tem suscitado reações controversas no seio da intelectualidade francesa: uns julgam que a rede de computadores contribuirá somente para consolidar a supremacia linguística anglo-americana e homogeneizar a cultura mundial; outros, ao contrário, a encaram como um instrumento pleno de potencialidades, ideal para promover o pluralismo cultural.
A essa segunda linha de raciocínio filia-se "Atlas", um dos últimos trabalhos do filósofo Michel Serres. Que a informática vem promovendo alterações substantivas no nosso modo de viver é fato inquestionável. Mas como elas afetam a nossa maneira de habitar, de trabalhar e de conhecer? Os mapas reunidos em "Atlas" abrangem essas três regiões e têm como objetivo ajudar o leitor a melhor orientar-se nesse território.
O primeiro mapa de "Atlas" cobre a região que Serres denomina habitat ou nicho. A questão central é a seguinte: no mundo das estradas de informação, onde efetivamente habitamos? Numa casa? Sem dúvida, responde o filósofo, mas numa casa que, para aqueles que dispõem de um computador e uma linha telefônica, adquire o tamanho do mundo -do mundo virtual. Habitar nesse novo espaço é habitar numa rede em que todas as culturas se entrecruzam, em que a mistura é a palavra de ordem e o princípio é o da mestiçagem.
Depois, Serres desloca-se para a região do trabalho. Como trabalhar e sobre que matéria trabalhar neste mundo global emergente? O filósofo recorre ao deus grego Hermes e aos anjos. Para ele, os que se afastarem das formas tradicionais de trabalho desempenharão um papel semelhante ao dos deuses: o papel de mensageiros, de transportadores de informação.
Essa árdua tarefa pressupõe que o candidato a "anjo" seja dotado de competência cultural. Pressuposto que nos conduz à terceira e última região mapeada por Serres, o ensino. Ora, é inegável que são múltiplas as possibilidades que as estradas de informação criam para os interessados em transmitir e adquirir conhecimentos. Se as pessoas, outrora, eram obrigadas a deslocar-se em direção ao saber, hoje, com o advento das redes, é o saber que passa a deslocar-se em direção às pessoas. Essa inversão abre caminho para que os diversos países do globo partilhem o conhecimento de uma maneira menos desigual e possam oferecer às suas populações uma melhor formação científica e cultural.
Mas, para que a rede efetivamente funcione como um espaço multicultural, é necessário, diz Serres, que seus utilizadores encarem a partilha do conhecimento como uma obrigação indispensável para a criação de um mundo global democrático e sem fronteiras.

Jean Marcel Carvalho França é doutor em literatura comparada pela Universidade Federal de Minas Gerais e pesquisador na Universidade Nova de Lisboa (Portugal).

Onde encomendar
"Atlas", de Michel Serres (Ed. Flammarion, 65 francos) pode ser encomendado à Livraria Francesa (r. Barão de Itapetininga, 275, fundos, tel. 011/231-4555, SP).

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