São Paulo, domingo, 28 de setembro de 1997 |
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Anjos de nosso tempo
MARCOS ALENCAR
Na verdade, "A Lenda dos Anjos" não é um livro fácil. Trata-se de um ensaio sobre a comunicação na era da virtualização, do planeta em rede, do tempo acelerado, da informação desdobrada, das mídias triunfantes e da tecnociência. Pretende repensar significantes e significados dessa megarrede de informação que nos passa praticamente despercebida no cotidiano. Ao mesmo tempo, é uma reflexão sobre a história da comunicação. Desde Hermes, mensageiro dos antigos deuses gregos, a quem Serres já havia se referido em outro livro seu ("Hermes, Uma Filosofia das Ciências"), até a atualidade, o filósofo transfigura o imaginário dos anjos. Quem são os anjos, hoje? O conjunto das mensagens e dos mensageiros que circulam pelo mundo, o grande hipertexto móvel, labiríntico, de muitos formatos, e suas milhares de relações. Todos eles, anjos mensageiros, laicizados, de nosso tempo. Paradoxalmente, os personagens do livro são humanos. O universo comum é simbolizado pelo aeroporto Charles de Gaulle, em Paris, onde Pia, uma médica da enfermaria do aeroporto, e Pantope, um inspetor da companhia aérea Air France, travam um diálogo filosófico a respeito de nosso tempo, discorrendo sobre história, sociologia, cosmologia, física, informática e astronomia. Dividido em sete capítulos, o livro de 283 páginas é totalmente ilustrado, ora com reproduções de obras de arte, ora com fotos, como a da favela da Rocinha, no Rio, de astronautas, de fenômenos naturais. As imagens não são decorativas e integram-se ao texto, explicando-o, criando novas relações. Serres propõe que, ao invés de pensarmos os sistemas comunicacionais como uma rede de coisas ou seres independentes, passemos a pensá-los como caminhos entrelaçados, em que interage um grande número de atores humanos, biológicos e técnicos. Que redes tecem nosso universo? Aquelas que nós, os humanos, criamos, em nossas mais variadas comunicações, mas também a do mundo das coisas e a do mundo divino. São esses três níveis, dissociados de forma contundente pela modernidade, que Serres deseja reunir numa mesma linguagem. Entre ficção e filosofia, o livro propicia antes de tudo uma prazerosa reflexão. Leva a refletir na dimensão coletiva da existência a partir das mudanças que estamos testemunhando. É um convite à reinvenção da cultura, a que nos tornemos personagens ativos na construção de nossos destinos. Texto Anterior: Cartograma global Próximo Texto: O desafio da mestiçagem Índice |
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