São Paulo, terça-feira, 30 de setembro de 1997
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Papa adia divulgação de texto sobre terra

ABNOR GONDIM

ABNOR GONDIM; LUIZ HENRIQUE AMARAL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Vaticano decide que lançamento de documento sobre a reforma agrária descaracterizaria visita de João Paulo 2º

LUIZ HENRIQUE AMARAL
O Vaticano desistiu de divulgar um documento da Comissão Pontifícia de Justiça e Paz sobre a reforma agrária antes ou durante a visita do papa João Paulo 2º ao Brasil, que começa quinta-feira.
"O documento se destina à igreja universal e sua divulgação durante a visita daria a impressão que é só para o Brasil", diz d. Raymundo Damasceno, secretário-geral da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). "Ele aborda todos os países onde a distribuição da terra é um problema."
Segundo d. Damasceno, o documento pretende "inspirar uma justa reforma agrária por meio dos princípios gerais da doutrina da igreja". Ele deverá ser divulgado no final do ano.
A decisão do Vaticano foi comunicada no início deste mês durante a visita anual que os três integrantes da direção da CNBB fazem a Roma e que inclui uma audiência com o papa.
Estiveram presentes o presidente da entidade, d. Lucas Moreira Neves, o vice-presidente, d. Jayme Chemello, e d. Damasceno.
"Havia a intenção de lançar o documento um pouco antes ou durante a visita do papa ao Brasil, mas avaliamos que poderia descaracterizar o tema central, que será a família", diz d. Demétrio Valentini, responsável pela Pastoral Social da CNBB.
Apesar do adiamento da divulgação do documento, os temas sociais deverão ser abordados de forma indireta durante a visita, sempre relacionados com o tema central do evento, que será a família.
"Os temas sociais poderão ser abordados junto com os familiares", diz d. Chemello.
"Ele poderá falar das consequências da miséria para a família, por exemplo."
Assim, a CNBB e o governo brasileiro acreditam que o tema reforma agrária não terá grande destaque durante a visita do papa.
O Planalto recebeu informações dos organizadores da visita de que a missão do papa é "pastoral e evangelizadora" e não tocará em temas sociais e políticos locais.
"O papa vai falar sobre três temas: família, família e família", brincou d. Lucas, ao negar que o tema reforma agrária vá receber tratamento especial do papa.
Um sinal claro da tendência de que o tema reforma agrária não será tratado foi o veto dado pelo cardeal-arcebispo do Rio de Janeiro, d. Eugenio de Araújo Sales, ao pedido de encontro com o papa feito por representantes do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).
A rejeição do pedido foi interpretada como um "veto político" por setores da chamada ala progressista da CNBB.
"Essa é uma interpretação errada", disse d. Lucas, apontado como integrante da ala conservadora do clero. Ele disse que pedidos semelhantes de outras entidades também foram rejeitados.
As informações que o Planalto recebeu do Vaticano sobre o caráter da visita reforçaram a imagem de que o papa condena a atuação dos religiosos que defendem a invasão de terras.
O próprio d. Tomás Balduíno, presidente da Comissão Pastoral da Terra, defende a ocupação de fazendas produtivas, cuja desapropriação é vedada por lei.
Em fevereiro passado, durante a primeira visita oficial de um presidente brasileiro ao Vaticano, Fernando Henrique Cardoso comemorou o fato de o papa ter defendido que "a reforma agrária seja executada de acordo com a lei".
O governo não tem interesse de tocar no assunto durante a visita do papa. FHC foi repreendido publicamente pelo presidente da CNBB por ter reclamado ao papa dos supostos exageros cometidos por religiosos que atuam em defesa dos sem-terra.
"O governo é a favor dos sem-terra e contra o latifúndio, mas tem discordância da CPT e do MST quando essas entidades incentivam o desrespeito à lei, como nas invasões de terra", disse à Folha o ministro Raul Jungmann (Política Fundiária).

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