São Paulo, segunda-feira, 28 de dezembro de 1998
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O real cenográfico

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Li nas folhas que 1 bilhão e 200 milhões de dólares saíram do país em novembro. As reservas, que há pouco eram de quase 80 bilhões de dólares, já baixaram para 20 bilhões. Lembro que alguém do governo garantiu que a queda em nossas reservas se deteria nos 40 bilhões. Esse seria o nível de segurança, abaixo disso seria o caos.
O salvador da pátria foi reeleito tranquilamente em outubro, nem por isso nossa situação melhorou. Pelo contrário. Com reservas em nível tão baixo, mais os déficits da balança comercial, o déficit fiscal, o real cenográfico equiparado ao dólar -este é o país que está sendo salvo pelo sr. FHC e sua brilhante equipe de técnicos.
Falei acima em "dólar cenográfico" e explico. Em teatro, os cenários e tudo o que compõe determinada cena são produtos de um departamento cenográfico. Ele cria os perus que vão para os banquetes, perus suntuosos, mas feitos de matéria plástica ou fibra de vidro. O uísque servido nas festas é mate.
O dinheiro que a mocinha rasga, repelindo a indecorosa proposta do coronel, é impresso na tipografia da esquina. Num dos lados, por imposição da lei, há um aviso dizendo que aquilo não é dinheiro de verdade.
O real que está sendo impresso em nossa Casa da Moeda e tem as nobres assinaturas de nossas autoridades fazendárias é um dinheiro cenográfico. Só tem valor nos limites geográficos do palco onde se apresenta a peça que já pode ser considerada uma farsa.
A cada dia que passa, tanto no governo como os colunistas deslumbrados garantem que o Brasil nunca esteve tão bem, tão pulcro e alacre.
O combate à inflação não é uma conquista permanente, sobretudo quando é fruto de truques de contabilidade e de cédulas cenográficas. Com crescimento zero para o próximo ano, com o drama social cujo rosto mais visível é o desemprego, o Brasil das alegres comadres do Planalto está caminhando para o brejo.

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