São Paulo, segunda-feira, 28 de dezembro de 1998
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Coisas fora de lugar

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA

Brasília - Roberto Schwarz, no seu clássico "Ao Vencedor as Batatas" (Livraria Duas Cidades, 1977), descreveu como "as idéias fora do lugar" se implantaram no Brasil do século 19.
Parte da elite da sociedade brasileira, escravista, adotou as idéias do liberalismo europeu, apesar da inevitável desafinação: "...nada melhor, para dar lustre às pessoas e à sociedade que formam, do que as idéias mais ilustres do tempo, no caso as européias".
Schwarz notava, de passagem, que esse padrão se repetiria no século 20, quando brasileiros voltaram a entoar, várias vezes, juras à modernidade, apesar de suas estruturas sociais similares às da Revolução Industrial.
Desde que o Brasil adotou o Consenso de Washington, muitas coisas também têm aparecido fora de lugar.
Um só exemplo, entre dezenas que podem ser observados no cotidiano brasileiro: música erudita ao vivo em salas de embarque de aeroportos.
Como muitas idéias e coisas fora de lugar, essa também pode ser produto de boas intenções (aliviar tensões dos viajantes, oferecer mercado de trabalho para músicos, divulgar cultura), embora provavelmente seja apenas mais um "gimmick" de mercado.
Não é preciso ser nenhum Adorno (o teórico da Escola de Frankfurt que abominava a divulgação de clássicos pelos meios de comunicação de massa) para perceber que a cultura não está sendo bem servida pela iniciativa.
A música fica perdida em meio ao barulho das turbinas e ao alarde dos anúncios de vôos pelos alto-falantes.
Se é para tocar alguma coisa nas salas de embarque, nada mais apropriado que o velho "muzak" de elevador.
O que se espera de uma empresa aérea é que ela cuide da segurança de seus aviões, cumpra horários e entregue as bagagens no local de destino.
No dia em que ouvi pela primeira vez música ao vivo no aeroporto de Congonhas, meu vôo (São Paulo-Brasília sem escalas) atrasou e minha única mala foi parar em Fortaleza.
Quando a empresa cumprir suas obrigações básicas e quiser ajudar a música, fará melhor se patrocinar recitais populares em teatros, onde é possível apreciá-la com propriedade.

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