São Paulo, sábado, 4 de abril de 1998
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Tribunal dos povos

RUBENS APPROBATO MACHADO

Os direitos humanos vêm mudando de enfoque nesta última década do século. Deixaram a esfera da denúncia para se ater mais ao cumprimento dos direitos fundamentais da pessoa, principalmente dos excluídos sociais.
Dentro desse espírito, começou a trabalhar no Brasil o Tribunal Permanente dos Povos, entidade vinculada à Fundação Internacional Lélio Basso pelos Direitos e pela Libertação dos Povos, constituída em 1976, na Itália, por iniciativa do humanista e jurista Lélio Basso e reconhecida pela ONU.
Os trabalhos do Tribunal Permanente dos Povos no Brasil, com coordenação da OAB-SP, terão duração de cinco meses, com sessões em Belo Horizonte, Aracaju, Cuiabá, Manaus, Porto Alegre e uma sessão final em São Paulo.
Nesta, será proferida a sentença final, na presença de jurados do Brasil e do exterior, sobre a violação dos direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes no país. Essa realidade vem se confrontando com a Constituição, que garante a eles cidadania plena.
As violações aos direitos fundamentais de crianças e adolescentes podem ser mensuradas em números estatísticos, de crianças doentes porque suas mães não tiveram acesso a um pré-natal, das que trabalham, das que moram nas ruas, das que padecem com maus-tratos em instituições públicas, das que estão fora da escola, das que são exploradas sexualmente, das que sofrem todo tipo de violência, dentro e fora de casa. Mas ao tribunal interessam os casos pontuais, que possam ajudar a mapear a tragédia das nossas crianças.
A vinda do tribunal ao Brasil foi gerada por uma sessão realizada na Itália, em 1995, na qual se analisou a situação das crianças no mundo, tendo ganho repercussão a gravidade da realidade brasileira.
As garantias dos direitos das crianças e dos adolescentes são recentes, tanto que a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança data de 1989 e o Estatuto da Criança e do Adolescente é de 1990. Somos um país de leis avançadas, mas cuja prática revela seu constante descumprimento.
E qual a validade do trabalho desse tribunal? A resposta pode estar no Tribunal Bertrand Russell, do qual ele é herdeiro. Em suas históricas audiências, em 1966, trouxe à discussão as atrocidades que aconteciam na Guerra do Vietnã, analisando e julgando a ação do governo americano, o que gerou grande pressão da opinião pública pelo fim do confronto.
O mesmo resultado foi obtido com o julgamento, na década de 70, das ditaduras latino-americanas. O tribunal julgou as ações dos governos militares, questionando sua legitimidade e denunciando sua violência. A grande pressão exercida pela comunidade internacional contribuiu para que as ditaduras perdessem força.
Esse tipo de evento, desde que organizado dentro dos rigores de um tribunal do júri e lastreado por interesse e participação da sociedade civil, pode ajudar o país a refletir e a debater determinado problema -dentro da ótica da legalidade-, apontando onde e como os direitos são violados, suas causas e soluções possíveis, que podem ser apresentadas pelos próprios participantes do julgamento.
Quem for citado pelo tribunal poderá participar do processo, fazendo sua defesa antes da sentença final, que no Brasil será proferida por um júri popular. O veredicto pode não nos ser leve, mas, certamente, apontará novos caminhos.

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