São Paulo, sábado, 4 de abril de 1998
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"Buy Brazilian", o governo joga contra

SÉRGIO MAGALHÃES

Há algum tempo, um artigo do empresário Antonio Ermírio de Moraes (Folha, pág. 1-2, 18/1/98), criticando a forma como o mercado brasileiro foi "escancarado" à entrada de produtos importados, citava o episódio no qual a Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos estava sendo processada porque havia contratado no exterior serviços que poderiam ser fornecidos internamente.
É que lá existe uma lei chamada "The Buy American Act", aprovada em 1933, da qual ninguém escapa, nem mesmo uma instituição subordinada ao Congresso Nacional.
Nenhuma entidade, órgão ou empresa do governo pode adquirir bens e serviços estrangeiros sem antes verificar se eles não podem ser supridos por empresas ou cidadãos americanos. Trata-se de uma consciência de nacionalidade cujo respeito é inquestionável quando o dinheiro que está sendo gasto pertence ao povo.
Lamentavelmente, não temos aqui a mesma consciência, a mesma responsabilidade quando se compra alguma coisa com recursos de impostos pagos por cidadãos brasileiros, mesmo sabendo que eles estão castigados por uma das cargas tributárias mais altas do mundo.
Um exemplo extremamente sintomático dessa inconsciência nacional é o resultado da concorrência pública 4/97, divulgado nesses últimos dias pela Secretaria de Ensino Superior do Ministério da Educação e do Desporto, para aquisição de 17,3 mil equipamentos de diferentes aplicações, destinados a 99 laboratórios de escolas superiores e hospitais universitários.
Exatamente como a Abimaq havia ponderado ao ministro Paulo Renato Souza, em janeiro deste ano, duas empresas estrangeiras foram selecionadas para atender possivelmente a maior aquisição de equipamentos jamais realizada por aquele ministério.
Embora perto de 50% do material pudesse ser fornecido pela indústria brasileira, as condições estabelecidas na licitação eram de tal forma complicadas que acabariam, como de fato aconteceu, impedindo a participação de empresas nacionais.
Se tivéssemos uma lei que obrigasse o poder público a dar prioridade aos produtos fabricados no país, a concorrência teria sido desdobrada em duas partes, sendo uma para equipamentos nacionais e outra para os que deveriam ser necessariamente importados.
Fatos dessa natureza são altamente frustrantes para os setores produtivos e só contribuem para gerar desconfiança do empresariado em relação às propostas do governo. Depois da desastrada abertura do comércio exterior, o empresariado brasileiro já está cansado da falta das reformas de base, das escorchantes taxas de juros para capital de produção, da absurda carga tributária, do câmbio valorizado, enfim, de todo um rol de fatores que compromete a competitividade da empresa brasileira, contra o qual o empresário nada pode fazer.
Pior: enquanto o governo lança o Programa Especial de Exportação para gerar saldos comerciais, como única saída para resolver o círculo vicioso do déficit público e das elevadas taxas de juros, um de seus ministérios se prepara para importar equipamentos que a indústria nacional não só produz, mas exporta, superando dificuldades de toda ordem e dimensão. É uma incoerência que a sociedade não pode aceitar.

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