São Paulo, sábado, 4 de abril de 1998
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"Quarta-feira" reúne Nepomuceno irregular

BERNARDO AJZENBERG
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO

Sempre valerá a pena reunir num único volume escritos esparsos de um autor clássico. Qualquer que seja a qualidade, contos, crônicas, memórias ou textos jornalísticos de um Machado de Assis, por exemplo, terão a todo momento, no mínimo, valor histórico, documental.
Fazer o mesmo com um autor contemporâneo e relativamente jovem é, no entanto, bastante arriscado -e muitas vezes o conjunto da edição sai prejudicado. É o caso deste "Quarta-feira", do escritor e jornalista Eric Nepomuceno, 49.
Tradutor premiado, contista talentoso e hoje também responsável no Ministério da Cultura pelos projetos de expansão das artes brasileiras no exterior, Nepomuceno poderia ter aguardado um pouco mais, poderia ter acumulado mais contos para, aí sim, lançar seu novo livro. Em vez de uma miscelânea irregular, teríamos certamente um volume literário mais consistente.
Pois o que se lê de realmente importante nesta edição são justamente os contos do autor (cerca de um terço do total de textos, apenas), com destaque para "Os Amigos", "Incompetência do Destino (II)" e "O Homem do Sobretudo".
Nesses casos, evidenciam-se -como nos livros anteriores de Nepomuceno, "Coisas do Mundo" (1994) e "A Palavra Nunca" (1985)- a elegância e a sequidão de estilo bastante raras, a capacidade de ironicamente emprestar colorido estético a uma espécie de irreprimível amargura.
Em "O Homem do Sobretudo", é com refinada sobriedade que ele nos envolve na história de um músico que, após triunfar em uma apresentação, consome-se literalmente até o fim em sua angústia.
São textos de um autor que domina o ritmo da narrativa curta e cujos personagens, sempre mais ou menos intelectualizados, embora fadados ao malogro, jamais deixam de se mover no mundo de maneira a viver como se o fim pudesse ser sempre positivo.
Nessa avaliação encaixam-se os outros três contos que também trazem o título de "Incompetência do Destino", todos eles, tal qual o já mencionado acima, versando sobre tentativas fracassadas de suicídio.
No mais, lemos uma ou outra crônica reveladora -como "Não Tenho Lágrimas", sobre Vinícius de Moraes e Rubem Braga-, um ou outro relato curioso de memória ou testemunho -a maioria sobre personalidades ligadas ao "universo" da latino-americanidade, característica, aliás, de Nepomuceno- ou simplesmente textos de teor jornalístico distante do excepcional.
Em alguns casos, o autor chega a ser exageradamente emotivo, quase piegas -ao lembrar a morte de Tom Jobim, por exemplo, com quem, se sabe, tinha relação de amizade.
Registre-se, por fim, que teria sido elegante, da parte da editora, deixar claro para o leitor que pelo menos alguns dos textos agora reunidos são adaptações de coisas já publicadas ou mera reedição.

Livro: Quarta-feira
Autor: Eric Nepomuceno
Lançamento: ed. Record
Quanto: R$ 16 (160 págs.)

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