São Paulo, sábado, 4 de abril de 1998
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Justiça rejeita julgar caso Luther King

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
DE WASHINGTON

No dia 4 de abril de 1968, o reverendo Martin Luther King Jr., prêmio Nobel da Paz e principal líder do movimento pelos direitos civis nos EUA, chegou à cidade de Memphis, Tenessee, sul do país, para dar apoio a lixeiros em greve havia quatro meses.
A greve acabou 12 dias depois, com um aumento de US$ 0,10 no salário que os lixeiros, na maioria negros, recebiam da Prefeitura.
Mas os efeitos da visita de King a Memphis são sentidos até hoje. King foi morto com um tiro de rifle que o atingiu no rosto quando estava no terraço de seu quarto no motel Loraine, agora sede do Museu Nacional dos Direitos Civis.
A morte de King deflagrou violência de negros contra brancos em todo o país. A capital dos EUA, Washington, ficou sob toque de recolher por três dias e a zona sul da cidade foi destruída por saques.
Autoria duvidosa
James Earl Ray, um homem branco foragido de uma prisão do Estado de Missouri, também no sul, foi preso em 1969 e acusado do assassinato de King.
Ele se declarou culpado e, num acordo com a promotoria que lhe poupou a vida, foi condenado a 99 anos de prisão.
Mas, dez anos depois, Ray iniciou uma ainda não encerrada batalha para ser julgado.
Ele não nega ter sido o autor do disparo, mas alega ter sido enganado por um homem chamado Raoul, que, segundo Ray, o havia contratado para matar alguém sem lhe dizer quem.
Na semana passada, mais uma vez, o pedido de Ray foi negado pela Justiça, apesar de há três anos ele ter o apoio dos familiares de King.
O promotor público Bill Gibbons diz que novas investigações não revelaram nada de novo que indicasse a participação no crime de qualquer outra pessoa além do próprio Ray.
Ele está com 70 anos, sofre de uma doença terminal no fígado e passou a maior parte do mês passado internado. Chegou a ficar em estado de coma.
A viúva e o filho de King pediram à Justiça que deixe Ray morrer em liberdade, por razões humanitárias, e insistem na revisão do caso para que ele seja totalmente esclarecido.
Eles ainda lideram campanha para que o Congresso libere o acesso público aos documentos da CPI que investigou, entre 1976 e 1978, a morte de King e concluiu pela culpa isolada de Ray.
Imagem
Nos 30 anos após a morte de King, sua imagem foi preservada, apesar das inúmeras descobertas que jogaram dúvidas sobre a aparência de santidade com que ele foi coberto logo depois do seu assassinato.
King teve casos extramatrimoniais e plagiou boa parte de sua tese de doutorado em teologia, por exemplo.
Mas nada disso afetou a força de sua mensagem política em favor da convivência pacífica, igualitária e cooperativa entre pessoas de todas as raças nos EUA.
No entanto, esse objetivo parece estar, três décadas depois, tão distante de ser alcançado quanto antes. Embora a qualidade de vida dos negros norte-americanos tenha melhorado de maneira dramática nesse período, eles continuam -na média- mais pobres e menos educados que os brancos.
Além disso, a imigração ilegal de hispânicos e asiáticos lhes roubou mercado de trabalho e criou novos focos de tensão racial.
Isso ficou claro em 1992, nos saques de Los Angeles após a absolvição dos policiais brancos que haviam espancado o negro Rodney King, quando as principais vítimas da violência dos negros foram sul-coreanos.
Homenagem única
Martin Luther King Jr. é a única pessoa nascida neste século homenageada com um feriado nacional. Seu célebre discurso "Eu Tenho Um Sonho" é leitura obrigatória em todas as escolas públicas do país, e sua memória é reverenciada por pessoas de todas as raças.
Mas o país unido porque ele lutou talvez nunca venha a existir. A diminuição da participação demográfica dos brancos (hoje, 73% da população; em 2050, 53%, segundo estimativas) e o aumento da de hispânicos e asiáticos (respectivamente 11% e 4% hoje e 25% e 8% em 2050) tendem a aumentar as divisões étnicas históricas.
Os negros, que vão manter sua participação estável na população (13% agora, 14% em 2050), ficarão espremidos no meio.

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