São Paulo, quarta-feira, 22 de abril de 1998
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FHC perde segundo articulador político

ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Em menos de 24 horas, o presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, perdeu seu principal ministro, Sérgio Motta, e um de seus mais importantes articuladores políticos, o deputado Luís Eduardo Magalhães. Perdeu, também, dois grandes amigos.
Para o PSDB, a falta de "Serjão" é uma perda do presente. Para o PFL, a morte de Luís Eduardo é a perda do futuro. Ele vinha sendo preparado pela cúpula partidária como o grande nome pefelista na sucessão presidencial de 2002. Como no caso de Motta, não há substitutos à altura.
Também perde politicamente, e muito, o pai de Luís Eduardo, o presidente do Senado, Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA).
Em primeiro lugar, porque ele já completou 70 anos, já tinha perdido uma filha e certamente ficará muito abatido por muito tempo. Em segundo lugar, porque Luís Eduardo era seu único herdeiro político e sua única esperança.
Os dois, pai e filho, estavam juntos no velório e no enterro de Sérgio Motta em São Paulo, anteontem. Pálido, quieto, fumando, Luís Eduardo falava com carinho de Sérgio Motta. Contava pequenos episódios, conversas, mas sempre com frases curtas, entrecortadas por longos silêncios. ACM estava mais falante.
A relação de Serjão com Luís Eduardo começou aos poucos, ainda durante a campanha presidencial de FHC em 1994. O ex-ministro tinha três filhas, nenhum filho. Apesar de sempre enfrentar o PFL no governo, afeiçoou-se a Luís Eduardo.
"Ele tinha ciúmes de mim", dizia Luís Eduardo no andar de cima do Hall Monumental, na Assembléia Legislativa de São Paulo.
Campanha
Depois do maior comício da campanha de 1994, em Salvador, o trator Motta e o habilidoso Luís Eduardo encerraram a noite, praticamente a sós, no bar do hotel Meridien. O encontro, selando a boa relação dos dois ao longo de praticamente todo o governo, durou até quase as 5 horas da manhã.
Luís Eduardo bebia champanhe, "Serjão" bebia uísque. Ambos comiam amendoins, pastéis e risólis de camarão. E trocavam juras de amor político, naquele momento especialmente necessárias. O PSDB e o PFL ainda estranhavam a aliança nacional.
"O Luís Eduardo é o futuro. É um político moderno, que transita bem em todas as correntes e será muito importante para o governo", dizia Motta, insistentemente.
Luís Eduardo ria: "Deixa disso, Serjão, você é que manda. A bola está com você".
Três anos e meio depois, os dois estão mortos. O esquema de governo FHC e o quadro político brasileiro caem numa incógnita.
Luís Eduardo, que tinha 43 anos, formou-se em direito na Bahia, meteu o canudo na gaveta e jamais teve veleidades intelectuais. Mas apaixonou-se muito cedo pela política e, muito especialmente, pela política nacional.
Centro-direita
Assumia-se como de "centro-direita", combatia políticas populistas, durante anos sonhou com um partido oficialmente de direita.
Ao contrário do senador Antonio Carlos Magalhães, Luís Eduardo era habilidoso, circulava em todas as correntes, tinha amigos até no PT. E mal escondia um certo desdém pela política local, pelos comícios, pelo corpo-a-corpo.
Na fase de preparação do governo Fernando Henrique Cardoso, Antonio Carlos fez tudo para impor o nome do filho na chapa, na condição de vice-presidente da República.
Nem FHC queria dar tanto poder ao já poderoso PFL baiano nem Luís Eduardo se encantava com a idéia de se isolar no frio Palácio do Jaburu, a residência oficial dos vices, cheia de vazios e mármores.
Bahia
Se conseguiu driblar o pai na indicação para a vice, três anos depois Luís Eduardo não conseguiu evitar uma outra ordem de ACM: a de disputar o governo da Bahia nas próximas eleições de outubro.
O deputado, na verdade, gostava do clima de poder, da agitação política, das noitadas de Brasília. Frequentava os restaurantes da cidade, especialmente o "Piantella", o preferido do ex-deputado Ulysses Guimarães e ainda hoje reduto de parlamentares na capital do país.
No ano passado, os amigos até se preocupavam com a sua imagem pública. Saía muito tarde dos restaurantes, abusava na champanhe, era um papo sempre bem-humorado, cercado de ouvintes atentos.
Diferenças
Já na Bahia, Luís Eduardo era outro. Trancava-se em casa com a mulher e as filhas e passava horas vendo filmes na televisão, um atrás do outro. Também resistia aos contatos políticos locais.
Na própria campanha de 1994, numa viagem de jatinho pelo interior, a diferença ACM-Luís Eduardo ficou evidente.
O velho senador beijava baianos e baianas, abraçava-se a eles, suado. Emocionava-se nos palanques.
O jovem deputado ficava sempre alguns passos atrás, discursava pouco e a contragosto, enxugava as mãos com um lenço branco depois de cumprimentar eleitores.
Uma de suas manias era tomar banho e trocar de camisa várias vezes ao dia, sempre que entrava em campanha. Cheirava a bons perfumes, usava calças de marcas e sapatos visivelmente caros.
A falta de Luís Eduardo muda o quadro político na Bahia. Não a ponto de impedir a vitória de um candidato do PFL que tenha apoio de ACM, porque isso é considerado "escrito nas estrelas". Mas abre uma perigosa disputa de espaço entre os jovens políticos carlistas.
ACM formou toda uma geração de técnicos e políticos, que foi acomodando no governo federal, na Câmara, no Senado, em todas as instâncias baianas. Eles conseguiram, durante todos esses anos, conviver pacificamente. Motivo: o jogo estava definido, com ACM mandando em todos, e Luís Eduardo correndo sozinho como seu sucessor político.
O ex-governador Paulo Souto, que se desincompatibilizou para abrir espaço para a candidatura de Luís Eduardo ao governo, perdeu um amigo mas ganhou a grande chance de sua vida: a de voltar ao governo e ficar mais quatro anos.
Na fila para ocupar espaço político na Bahia estão também os dois ministros vinculados a ACM: Raymundo Britto (Minas e Energia) e Waldeck Ornélas (Previdência Social).
Mas há outros, como o prefeito de Salvador, Antonio Imbassahy, e os deputados José Carlos Aleluia e Benito Gama. Está aberta a temporada de disputa de espaço na política baiana.
Na política nacional, há perplexidade. Sem Serjão para bancar o jogo do PSDB e investir numa candidatura presidencial própria (seu candidato era o ministro José Serra, da Saúde). Agora, também sem Luís Eduardo para animar as expectativas pefelistas.
Dizia a lenda brasiliense que o "mês das bruxas" sempre foi agosto. A partir de agora, abril está bem forte no páreo.

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