São Paulo, quarta-feira, 22 de abril de 1998
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Preso se contradiz ao explicar razão política

MALU GASPAR; MARCELO GODOY
DA REPORTAGEM LOCAL

Líder diz que resgate financiaria ofensiva de guerrilha em meio ao início do processo de paz em El Salvador

Oito anos depois, o líder dos sequestradores do empresário Abílio Diniz, o argentino Humberto Paz, o "Juan", se contradiz ao explicar por que o grupo não assumiu o caráter político da ação logo após a prisão, em dezembro de 89.
Em entrevista à Folha, diz que a omissão tinha como objetivo não prejudicar o processo de paz em El Salvador -os sequestradores dizem ter agido a mando de um grupo de esquerda com ação no país.
Mas, em seguida, afirma que os milhões de Diniz financiariam uma ofensiva da guerrilha (dias antes, em 23 de novembro, a guerrilha havia proposto um cessar-fogo ao governo salvadorenho).
Breno Altman, porta-voz do comitê de apoio aos sequestradores, nega a contradição. Segundo ele, quando o sequestro foi planejado, ainda havia a guerra civil em El Salvador. Quando foram presos, o processo de paz havia se iniciado.
Paz começou sua militância no ERP (Exército Revolucionário do Povo) argentino. Preso em 1975 aos 20 anos em seu país, hoje tem 43. A entrevista, a primeira desde o início da greve de fome, foi feita por escrito. Leia abaixo:
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Folha - Assim que foram presos, vocês negaram o caráter político do sequestro. Mesmo o MIR (Movimento de Esquerda Revolucionário) negava ligação com o ato. Por que só agora afirmam o caráter político do sequestro?
Humberto Paz - Na realidade nunca negamos o caráter político da ação, e tanto é assim que, no julgamento de primeira instância, ele foi reconhecido pelo juiz como atenuante. Na época, não reconhecemos publicamente que éramos do MIR e das FPL (Forças Populares de Libertação, salvadorenha) para não prejudicar o processo de paz que se iniciava em El Salvador e o ingresso do MIR no processo político institucional chileno.
Folha - O reconhecimento pelo MIR e FPL da responsabilidade pela ação não é uma forma de ajudar a libertá-los?
Paz - Cumprindo ordens do MIR e das FPL, chegamos aqui para a missão que nos foi designada. O reconhecimento, longe de uma forma de solidariedade ou uma manobra para libertar-nos, é uma atitude que corresponde às tradições de nossas organizações.
Folha - Qual seria o destino do dinheiro do resgate de Diniz?
Paz - Os recursos financeiros eram para ser utilizados na ofensiva que, no final de 1989, se estava preparando em El Salvador. Ofensiva que foi vital e firmou as bases para o processo de paz que acabou com uma guerra sangrenta.
Folha - Se o sequestro foi político, por que fazê-lo às vésperas de uma eleição em que uma coalizão de esquerda tinha fortes chances de sair vencedora no Brasil?
Paz - Em dezembro de 96, altos dirigentes da antiga direção do MIR reconheceram publicamente a responsabilidade na operação em São Paulo. Também pediram desculpas ao povo brasileiro, às forças democráticas e de esquerda pelo dano involuntário causado ao processo eleitoral. Priorizamos as necessidades do processo revolucionário salvadorenho, sem considerar com a devida seriedade o momento político brasileiro.
Folha - Quando o tratado com o Canadá foi aprovado em 93, vocês não manifestaram oposição. Por que só agora dizem não aceitá-lo?
Paz - A assinatura de tratados de intercâmbio de prisioneiros entre países é uma medida humanitária. Cremos que é positiva porque permite o retorno dos presos a suas famílias, lares. Não reclamamos dos tratados e sim das exacerbadas penas a que fomos condenados. A transferência, nessas condições, longe de ser uma solução, é uma simples troca de prisão, e aceitá-la legitimaria uma injustiça.
Folha - O governo brasileiro não admite a hipótese de expulsá-los. Vocês temem um impasse? Até quando podem resistir vivos?
Paz - Em várias ocasiões o presidente Fernando Henrique Cardoso prometeu uma solução. No entanto, receios eleitorais impediram. Nós acreditávamos na palavra do governo brasileiro e fomos usurpados. A solução depende de FHC. Estamos dispostos a levar a greve de fome até as últimas consequências. Nossas vidas estão nas mãos do presidente. Não pedimos impunidade, só justiça.
Folha - O que vocês pensam sobre a posição dos governos de seus países em relação ao caso?
Paz - Em todos os nossos países existe uma ampla e profunda preocupação com as irregularidades e injustiças cometidas contra nós. Assim como o Brasil pediu a expulsão de Tânia Cordeiro ao governo chileno, é natural que governantes e organizações de direitos humanos solicitem ao governo brasileiro atitude semelhante.
Folha - O que vocês pensam sobre a posição do governo brasileiro, que diz que a greve de fome é prejudicial para os entendimentos entre os seus países e o Brasil?
Paz - O bom entendimento entre esses países não depende de uma greve de fome, mas de gestos e atitudes como as que teve o Chile quando acolheu o então exilado Fernando Henrique Cardoso.

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