São Paulo, quarta-feira, 22 de abril de 1998
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Imagens são contundentes

JOSÉ GERALDO COUTO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Não existe cinema inocente. Todo documentário é uma organização tendenciosa de dados do real.
O filme "The Long Way Home" trabalha com imagens documentais e depoimentos de gente de verdade para tornar inteligível a trajetória dos judeus europeus entre a libertação dos campos de extermínio nazistas (1945) e a criação do Estado de Israel (1948).
O princípio que norteia a organização desse material é, claramente, a ideologia sionista, o que vale dizer que a criação de Israel é vista como a consequência inevitável, teleológica, do martírio a que foi submetido o povo judeu.
Vemos, inicialmente, as imagens estarrecedoras dos campos de concentração no momento em que foram libertados pelos aliados. Em "off", ouvimos os depoimentos de quem estava lá, seja como libertador ou como libertado.
"Um soldado olhou para nós e vomitou. Um após outro, todos começaram a vomitar. Éramos repugnantes", lembra uma sobrevivente. "Tínhamos a sensação de que aquelas não eram pessoas mais. Tínhamos que repetir para nós mesmos: "São seres humanos'", diz um ex-soldado.
Até aí, em termos informativos, o filme não difere de tantos outros sobre o Holocausto. Sua diferença vem da descrição da saga dos sobreviventes, sem família e sem pátria, por uma Europa destruída.
O filme resume a história mais ou menos assim: impossibilitados de voltar a suas casas -destruídas pelos bombardeios e/ou cercadas ainda de hostilidade anti-semita-, os sobreviventes foram parar em campos de refugiados controlados pelos americanos.
Nesses campos, centenas de milhares de judeus viviam em condições quase tão ruins quanto às dos campos nazistas, à espera de uma solução internacional para o caso. Essa solução veio em 1948, com a decisão da ONU de criar um Estado para os judeus na Palestina.
As imagens e os depoimentos são de uma contundência extraordinária, e o encadeamento dos fatos é claro. Há momentos de inexcedível força, como aquele em que um homem, em roupa de prisioneiro, vaga por uma cidade em ruínas.
Nessas passagens, nós outros, que não somos nem sionistas, nem palestinos, temos um pouco a sensação de estar espionando um culto na sinagoga.

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