São Paulo, domingo, 14 de junho de 1998
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Nudez imperial

OSIRIS LOPES FILHO

Alguns articulistas domesticados, desses que se alimentam nas benesses governamentais, a propósito das manipulações articuladas pelo Ministério da Fazenda a respeito da reforma tributária, fazem sempre a ressalva:
"O Imposto de Renda no Brasil tem uma legislação aperfeiçoada e amadurecida. Não necessita, portanto, de ser objeto de reformulações".
Essa posição merece uma reflexão crítica. O IR da pessoa jurídica envolve uma alienação hegeliana da nossa realidade. O seu diploma regulatório básico ainda vigente é o decreto-lei nº 1.598/77, editado para adaptar a disciplinação do tributo à nova lei dispondo sobre as sociedades anônimas (lei nº 6.404/76).
Num país em que existem mais de 4 milhões de unidades econômicas e apenas 15 mil S/As, é um despropósito impor aos milhões de empresas e médias empresas uma técnica impositiva típica das S/As.
Daí a necessidade de se estabelecerem fórmulas improvisadas para se apurar o IR das empresas: lucro estimado, presumido, arbitrado.
A variabilidade legislativa aqui é enorme. Manipula-se a norma tributária infatigavelmente via MPs, pavimentando o que Ives Gandra (Folha de 10/06/98) vaticina como o caminho para "a pior das ditaduras, que é a fiscal".
Poder-se-ia alegar que o Simples, como sistema de tributação adequado para a micro e pequena empresa, é o ideal, eis que, pela primeira vez, procurou-se conceber uma tributação efetivamente apropriada a tais unidades econômicas. É verdade. Do ponto de vista da tributação federal é um avanço.
Todavia, a tecnocracia que redigiu a MP, transformada em lei disciplinatória do Simples, parece ter-se inspirado na arrogância e soberba do seu presidente FHC, ao estabelecer regras para o ICMS estadual e o ISS municipal.
O IR da pessoa jurídica é um cipoal normativo tão complexo, intrincado e cheio de brechas (furado seria melhor), que proliferam principalmente no mercado paulista ofertas de cursos sobre "planejamento tributário", com anúncio diário na grande imprensa.
Essa forma fronteiriça de economia de imposto só viceja em sistemas tributários caracterizados por elevada carga tributária e complexidade anárquica da legislação. O puxa-saquismo dos louvadores faria melhor descobrindo qualidades no imperador, já que o povo está vendo que, sob esse ponto de vista, sua majestade está nua.

Osiris de Azevedo Lopes Filho, 58, advogado, é professor de Direito Tributário da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

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