São Paulo, domingo, 14 de junho de 1998
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O mercado e a candidatura das oposições

PAUL SINGER

Difunde-se pela imprensa a versão de que quedas nas Bolsas brasileiras e nas cotações de títulos de nossa dívida externa devem-se ao aumento da probabilidade de o candidato da coligação oposicionista, Lula, ganhar as próximas eleições presidenciais. Ninguém do mercado assume a autoria dessa versão, que, no entanto, tem um duplo efeito deletério: atemoriza parte do eleitorado que eventualmente se incline a sufragar o nome de Lula e induz previsões catastrofistas, por parte de investidores, na hipótese de a oposição vencer o pleito.
É preciso, pois, contrapor aos boatos uma visão objetiva quanto ao que as oposições almejam e como isso pode afetar o mercado. A meta principal das oposições, no campo econômico, é fazer com que o Brasil volte a crescer em ritmo próximo a 7% ao ano, taxa que sustentamos durante décadas antes que o excessivo endividamento externo nos fizesse cair na década perdida, da qual realmente ainda não saímos, apesar do êxito da estabilização dos preços.
A retomada do crescimento parece-nos ser condição imprescindível para começar a reintegrar ao mercado o avultado número de brasileiros sem trabalho, para poder elevar substancialmente a receita fiscal e, assim, compatibilizar a redução do déficit público com a melhora inadiável dos serviços sociais, como educação e saúde.
A eliminação da miséria absoluta e a redistribuição da renda são os objetivos maiores da oposição e não resta dúvida de que uma e outra só poderão ser alcançadas se a economia voltar a se expandir vigorosamente.
O grande obstáculo à retomada do desenvolvimento é a excessiva dependência do Brasil do capital externo. Hoje, só conseguimos fechar nossas contas externas se pudermos atrair entre US$ 50 bilhões e US$ 60 bilhões anualmente ao país. Por qualquer parâmetro, essas cifras são excessivas e insustentáveis a prazo médio, sendo de notar que a necessidade de capital estrangeiro tende a crescer por efeito das remessas de juros, dividendos e outros rendimentos, cujo valor acompanha o do estoque de haveres estrangeiros em nosso país.
A grande tarefa imediata é, portanto, reduzir essa dependência, da qual decorre a vulnerabilidade do Brasil a fugas de capitais, das quais já houve duas ameaças sérias nos últimos anos e que podem se repetir a qualquer momento. Não é crível que o mercado discorde dessa prioridade, com a exceção dos aventureiros que se cevam nas crises, quando a taxa de juros é elevada a níveis escorchantes. Interessa a todos os que investem na economia brasileira que a dependência externa seja reduzida, para permitir uma maior expansão da demanda.
A redução da dependência externa exige a desvalorização do real, para que as próprias forças de mercado sejam induzidas a ampliar exportações e substituir importações, tanto de bens como de serviços. O atual governo já tentou todo tipo de medidas não-cambiais -isenção fiscal, subsídios, aumento seletivo de tarifas aduaneiras etc.- para alcançar esse objetivo, sem lograr resultados significativos. Portanto, a desvalorização se impõe, inclusive porque ela se sustenta na boa teoria econômica e na experiência histórica.
Os especialistas travam discussões sobre a forma que a desvalorização deve ter, ou seja, se o melhor é fazer uma máxi, uma mídi ou acelerar as minidesvalorizações. Um eventual governo das oposições não tem nenhum motivo para se comprometer com uma ou outra fórmula. O que importa é que a desvalorização seja bem aceita pelo mercado; caso contrário, poderia acarretar fuga de capitais. Esse perigo não se evita pela técnica empregada, mas pela concordância com os objetivos da política por parte dos que administram as reservas líquidas do público.
O próprio êxito da estabilização anunciada e negociada pelo Plano Real demonstra que a abordagem correta não é pegar o mercado de surpresa, mas dialogar e negociar para chegar ao consenso. E é isso que se deve esperar de um governo presidido por Lula. Não tenho autoridade nem a pretensão de falar pelo candidato ou pela corrente partidária a que estou filiado. O exposto acima é minha convicção pessoal, alicerçada no que conheço e sei das pessoas que lideram a campanha das oposições.

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