São Paulo, domingo, 14 de junho de 1998
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Vetos capitais

LUIZ GONZAGA BELLUZZO

Depois do que aconteceu no México e na Ásia (e do que, aparentemente , está prestes a ocorrer na Rússia), engrossam as hostes daqueles que advogam medidas para disciplinar os movimentos de capitais.
O vice-presidente do Banco Mundial, Joseph Stiglitz, o mais interessante autor, entre os muitos da nova corrente keynesiana, apontou, como um dos fatores do colapso financeiro e cambial na Ásia, a liberalização descuidada e apressada das contas de capitais dos balanços de pagamentos.
Na última edição, maio-junho, da revista "Foreign Affairs", um dos mais respeitados estudiosos da teoria do comércio internacional, Jagdish Bhagwati, atira com armas de grosso calibre contra as posições dos defensores da livre movimentação de capitais. Eles diz, no preâmbulo de seu artigo, que o fato mais espantoso na posteridade da crise asiática foi a insistência dos apologistas da plena mobilidade de capitais em negar o caráter notoriamente desestabilizador dos fluxos financeiros "globalizados".
Bhagwati acusa o lobby dos capitais livres, constituído pela aliança entre o Tesouro americano e Wall Street, de jogar areia nos olhos do público leigo ou ilustrado, ao formular diagnósticos improváveis sobre as causas da derrocada financeira e cambial na Ásia. Esses senhores da alta finança não apenas se recusaram a admitir que a abertura e a desregulamentação dos mercados financeiros tiveram um papel proeminente nos infaustos acontecimentos, como passaram a recomendar ainda mais da mesma coisa.
Têm sido muito frequentes tais derrotas da investigação impiedosa dos fatos e processos sociais diante das forças poderosas da ideologia e dos interesses. Por mais escancaradas que sejam as evidências sobre o caráter nefasto dos movimentos de capitais para a autonomia das políticas econômicas nacionais, a chamada opinião dominante continua a exaltar a sua importância para as economias em desenvolvimento, insistindo na necessidade de uma maior abertura e desregulamentação financeiras.
O debate pré-eleitoral no Brasil está encharcado dessa água turva. Um punhado de artigos situacionistas, espalhados pelas páginas de opinião da grande imprensa, tratam de demonstrar os riscos que a oposição representa para a continuidade do sempre benfazejo fluxo de capitais para o Brasil. O presidente do Banco Central, em carta enviada a esta Folha, procura ressaltar com ares de filósofo da política que a alternância no poder, em qualquer lugar do mundo, provoca sobressalto nos investidores.
Tais observações estão bem postas em sua medíocre parcialidade. Estamos de fato à mercê dos "arbitrageurs" e especuladores de todo o gênero locais e internacionais. Fomos colocados nessa incômoda situação pelos mesmos sabichões que ora empunham a pena ou prestam declarações terroristas. Não é engraçado que tentem apavorar o distinto público eleitor, exibindo o espantalho das possíveis consequências das políticas desastradas, concebidas e executadas por eles mesmos?
É bom recordar: nem bem saímos da crise da dívida externa dos anos 80 e -década e meia depois- estamos, de novo, encalacrados numa situação de extrema vulnerabilidade, diante de mercados e capitais voláteis.
É duvidoso, no entanto, que os nossos fabricantes de fantasmas possam fazer parte do poderoso lobby, Tesouro americano-Wall Street, denunciado pelo professor Bhagwati. Vejam que o presidente Fernando Henrique tem alertado seguidamente o presidente Clinton e outros chefes de Estado de alto coturno sobre os perigos da livre movimentação de capitais. É pena que, no afã de participar da grande política internacional, o presidente Cardoso tenha descurado dos assuntos domésticos, permitindo que seus auxiliares da área econômica atrelassem de forma tão leviana o destino da economia nacional aos humores dos capitais sem destino.
Seja como for, quem padece é a democracia. Os eleitores sofrem o constrangimento de votar no ruim para evitar o pior. O andar da carruagem, no mundo das finanças globais, está mais para assalto de diligência do que para beijo da mocinha. Isso, aliás, é o que demonstram o comportamento dos preços dos nossos C-Bonds e o desconto generosamente concedido no valor das teles. Tudo em nome do mercado e da concorrência.

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