São Paulo, domingo, 14 de junho de 1998
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As diversas utilidades da Copa

JANIO DE FREITAS

Futebol, mesmo, não se viu ainda, mas já está demonstrado que esta é uma Copa de mil utilidades. As pesquisas eleitorais no Brasil não incluem a Copa, mas a Copa está lá. Quando a propaganda governista se exauriu e deixou a nu o governo e seu chefe, afinal vistos um pouco como têm sido, os índices de ambos desabaram, mesmo nos institutos nutridos pela verba presidencial. E então a Copa veio mostrar uma de suas utilidades.
A queda de Fernando Henrique ocuparia muito mais espaço na opinião pública se a Copa não passasse a ocupar tanto desse espaço. No mecanismo da opinião, assim como ascensão cria mais ascensão, a queda tenderia para mais queda. Marqueteiros e políticos sabem disso muito bem.
Nem todas as utilidades da Copa são assim medíocres. Há, entre outras, as gloriosamente cívicas, que não se devem confundir com as meras patriotices. Vamos a um caso. Nenhum francês o diria com clareza jamais, ou não seria francês. Mas estavam todos em pânico com a possibilidade, sempre existente, de já começarem com uma derrota de sua tão criticada seleção. Nem preciso dizer mais, porque um especialista consagrado, obtida a vitória, disse tudo, ao descrever o estado dos próprios jogadores: "Eles entraram lívidos na arena. Olhares alucinados, gargantas apertadas, a angústia no ventre".
Mas a vitória, não importa se obtida contra o analfabetismo futebolístico da África do Sul, foi nada menos do que "um formidável retorno da França ao cenário mundial", na avaliação do vetusto "Le Figaro". O orgulho napoleônico estava salvo. "Le jour de gloire est arrivé", mais uma vez. Mesmo quando tudo pede fanfarras, o homem procura nuvens. Se não as encontra, agora, com a ciência moderna, cria-as. Radioativas. Assim criminosas, anti-humanas, são as nuvens que tomaram o sul da França - onde os franceses jogaram e os brasileiros vão jogar.
Há dias procurava-se identificar tudo desses algodões atômicos, mas só a Copa permitiu que isso se concluísse sem criar o justo pavor na população local.
Não adianta muito sabermos que a emanação radioativa foi de uma usina na Espanha, que liberou Césio 137 à vontade. Mas é assustador que os vapores criminosos fossem liberados sem que os mais modernos aparelhos de segurança detectassem o escapamento. Contra a gravidade presente e futura dessa constatação, a utilidade da Copa nada pôde.
Nem pode atenuar a dimensão da derrota sofrida pelo autoritarismo provinciano do governo na greve dos professores universitários. Além dos números e valores falsos que o MEC tem distribuído sobre salários e gastos, a suspensão dos vencimentos, por uma greve não declarada ilegal, foi de uma obtusidade violenta que, por si só, justifica a derrota dos ex-professores e outra vez pagadores Fernando Henrique e Paulo Renato Souza.

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