São Paulo, domingo, 14 de junho de 1998
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China tem jornal "sem censura"

Le Monde
de Paris

FREDERIC BOBIN

A imprensa chinesa se agita. Ela ainda está muito longe da liberdade de expressão dos jornais de Hong Kong ou de Taiwan, mas ao menos os periódicos diários e semanários da China agora sabem falar de outra coisa que não da última reunião do comitê central.
Seguindo a obrigatória lógica de mercado, os jornais devem seduzir o público, portanto eles multiplicam as enquetes às vezes inconformistas sobre os temas atuais da sociedade.
O porta-bandeira dessa nova onda de jornalismo -cujo pioneiro nos anos 80 foi o repórter investigativo Liu Binyan, hoje exilado- é incontestavelmente a redação do "Nanfang Zhoumo" (algo como "O Fim-de-Semana do Sul").
Com uma tiragem de 1 milhão de exemplares, sendo a metade distribuída em Pequim, esse jornal semanal sediado em Cantão não pára de irritar a censura ao posar abertamente de liberal.
Eles publicaram, por exemplo, um dossiê dedicado aos habitantes de Pequim que militam pela preservação do patrimônio da capital chinesa, ameaçado pela especulação imobiliária.
"Salvemos a velha Pequim!", implora um desses moradores, indignado que se permita aquilo que sequer as hordas que saquearam o império fizeram.
Um outro artigo aborda os abusos da autoridade policial. O autor narra sua própria experiência. Uma noite, em um hotel de Cantão, enquanto dormia, o quarto do jornalista foi brutalmente invadido por policiais. Se tratava de uma nebulosa batida antiprostituição.
"Essa operação violou meus direitos legítimos de cidadão: todos os clientes foram tratados como suspeitos", inflama-se o autor.
O semanário é um exemplo de jornal que não tem medo de ninguém. Um artigo denunciando os males do álcool para motoristas não teve nenhum escrúpulo ao lembrar que oficiais como um dirigente sindical e um magistrado estavam embriagados ao causar a morte acidental de passageiros ou pedestres.
E depois há o surpreendente artigo sobre o tema do "liberalismo", escrito por Liu Junning, da Academia de Ciências Sociais: "A escolha da economia de mercado está se impondo, o liberalismo se tornará mais cedo ou mais tarde um "convidado inesperado" na China. Quando se abre a porta do mercado, não podemos mais fechar a porta do liberalismo".
As autoridades deixam por hora de se posicionar firmemente a respeito dessas propostas. Menos por estratégia política do que por incapacidade técnica de controlar tudo o que se imprime no país.
Sabe-se, entretanto, que esta margem de liberdade é frágil e que a repressão de chumbo pode voltar com a primeira crise.
Essa é a razão que leva mais de 1 milhão de leitores a devorar avidamente, toda sexta-feira, esse bolo revolucionário de ideogramas.

Tradução de Alexandra Ozorio de Almeida

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