São Paulo, domingo, 14 de junho de 1998
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ONGs, um passo adiante

ODED GRAJEW

Ao longo deste século, especialmente a partir dos anos que se seguiram à Segunda Guerra, surgiram as organizações não-governamentais sem fins lucrativos -as entidades sociais. Elas constituem hoje o chamado "terceiro setor", ao lado do governo e das atividades com fins lucrativos.
Essas entidades (fundações, associações, institutos, centros etc.) têm como missão trabalhar para melhorar a qualidade de vida de nossa sociedade. Atendem crianças, adolescentes, deficientes físicos e mentais, homens e mulheres em situação de risco, famílias carentes e desestruturadas, desempregados, pessoas de idade que necessitam de amparo, refugiados, presos políticos e comuns, pessoas pobres, drogados, famintos, doentes físicos e mentais, pessoas desesperadas e solitárias, minorias raciais, étnicas e religiosas.
Elas procuram atuar em diversas áreas: educação, saúde, assistência social, direitos humanos, cidadania, profissionalização, Justiça, direitos do consumidor, infância, adolescência, terceira idade, responsabilidade social empresarial, habitação, pobreza, emprego, meio ambiente, paz, democracia, cultura, lazer, espiritualidade, defesa de minorias, ciência e nutrição.
Milhões de pessoas e organizações investem recursos financeiros e materiais, conhecimento, competência, tempo e energia para tentar melhorar a vida das comunidades, especialmente as carentes. Há exemplos magníficos e comoventes de dedicação e compromisso com as causas abraçadas.
Embora existam alguns casos de desvirtuamento em relação à missão adotada e incompetência no desenvolvimento das atividades, a experiência de quem milita no setor demonstra que são casos raros e isolados. A imensa maioria das organizações trabalha com elevados padrões éticos e faz verdadeiros milagres com os recursos geralmente escassos de que dispõe.
No Brasil, isso é atestado pelo excelente trabalho do economista Stephen Kanitz, que a cada ano premia dezenas de entidades como "bem eficientes", após passarem por rigorosíssima auditoria sobre sua idoneidade e eficiência.
O setor das organizações sociais está crescendo. Nos EUA, 32 mil fundações, com patrimônio de cerca de US$ 132 bilhões, distribuem por ano cerca de US$ 8,3 bilhões em verbas. As contribuições individuais superam US$ 100 bilhões/ano, respondendo por cerca de 90% dos fundos doados às entidades.
Além de dinheiro, as pessoas dão seu tempo. Dos adultos, 51% são voluntários e 14% contribuem com pelo menos cinco horas por semana; o valor disso está calculado em US$ 176 bilhões.
Aqui, a cada dia, surgem novas organizações e empresas engajadas em empreendimentos sociais. Estar envolvido com o trabalho das organizações sociais dá um sentido à vida e traz muita gratificação. Sabemos estar contribuindo para aliviar as carências de muitas pessoas, famílias e comunidades.
No entanto, fica uma frustração. Com tanta dedicação, defrontamo-nos, ao mesmo tempo, com violência, fome e desemprego à nossa volta -e não conseguimos dar conta da demanda. A cada criança atendida, aparecem mais dez pedindo ajuda. Sentimos como se estivéssemos enxugando gelo.
O conjunto das organizações sociais precisa tomar consciência de que é necessário, cada vez mais, agir sobre as causas dos problemas; não se limitar a minorar seus efeitos. Lembro a história dos dois pescadores que se jogavam num rio para salvar crianças que se afogavam. Um deles resolveu ir embora. O companheiro perguntou aonde ele ia. "Vou subir o rio, para ver quem é que está jogando as crianças", respondeu.
Não é fácil refletir sobre as causas, muito menos agir. Estamos sujeitos a contrariar interesses, desagradar, ser mal interpretados e até combatidos. Mas, quando se consegue, o resultado é fantástico. Precisamos não só tentar diminuir a febre, mas debelar a doença.
Também é missão das organizações sociais evitar que os problemas aconteçam. Elas precisam dar um salto de qualidade e refletir sobre suas causas. É extraordinário o exemplo de solidariedade de tantas pessoas e organizações que tentam providenciar alimentos para os flagelados da seca no Nordeste. Mas é preciso analisar por que essas pessoas estão passando fome e agir para que isso não aconteça mais.
Vamos dar pão a quem tem fome, mas também impedir que alguém passe mais necessidades. Vamos pensar por que as crianças aparecem se afogando e subir o rio, para deter as pessoas que as lançam às águas. Vamos refletir sobre as causas de desemprego, fome, carência, pobreza, falta de educação e saúde, corrupção e violência -e atuar sobre elas. Só assim nossa missão se tornará completa, com uma diminuição real e consistente dos problemas.

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