São Paulo, quarta-feira, 17 de junho de 1998
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Da letargia à festa em segundos

CLÓVIS ROSSI
DA LETARGIA À FESTA EM SEGUNDOS

O embaixador brasileiro em Paris, Marcos Azambuja, é um dos meus personagens favoritos. Primeiro porque é um lúcido analista dos países em que serve, como o demonstrou tantas vezes no seu período, recentemente encerrado, em Buenos Aires.
Segundo, porque é capaz de definir situações em uma só frase, uma delícia para jornalistas.
Por isso, uso frase do embaixador, após o jogo de ontem, para dizer o que deve ser dito sem o risco de parecer o chato que água a festa:
"Pena que falte instinto matador ao time do Brasil".
Foi o suficiente para que o estádio La Beaujoire, em Nantes, se vestisse de Brasil quase, quase, dos pés à cabeça. Só não foi Brasil por inteiro porque fazia um frio indecente, indigno da primavera-quase-verão na França.
La Beaujoire era tão Brasil que, logo aos 2min, quando o juiz russo anulou gol de Leonardo, por impedimento, um sonoro e brasileiríssimo coro de "filho da puta/filho da puta" inundou o estádio.
O Brasil, aliás, parecia ter comparecido inteiro, encurralando a pequena torcida marroquina no canto atrás da bandeirinha de escanteio do gol ocupado, no primeiro tempo, por Driss Benzekri.
Lá estava "a turma do Zoião de Vila Velha", no Espírito Santo, a da Mooca, em São Paulo, a "Fiel Macabra" (como, aliás, para o meu gosto, é toda a torcida corintiana), até uns certos "Smurfs éticos", de Piracicaba, interior de São Paulo.
Todo mundo louco para ser visto na Globo, como não escondia a faixa estendida pelo trio Dionísio, Lezídio e Joãozinho.
A turma verde-e-amarela parece ter contaminado os franceses, a julgar por uma faixa que pedia, em francês: "Tout le monde veut voir Edmundo" (todo mundo quer ver Edmundo).
Todo mundo viu, a partir dos 27min do segundo tempo. Pena que foi absolutamente inútil, porque o jogador não mostrou nada que valesse a pena ver.
Todo o "patrioterismo" típico da torcida brasileira não foi, em todo o caso, suficiente para resistir à "letargia". Desde os 23min de jogo, o coro "Denílson/Denílson/Denílson" indicava que, com 1 a 0, com o primeiro gol de Ronaldinho e tudo, o pessoal queria mais, com razão aliás.
Até Dunga queria mais, a julgar pela tremenda bronca que soltou em Bebeto, aos 39min. Tão tremenda que o Canal Plus exibiu em seguida uma "charge" em que perguntava: "Os 11 brasileiros não são companheiros?".
Mas, ao contrário do que ocorrera contra a Escócia, desta vez a letargia não deixou escapar um bonito segundo gol, no finzinho do primeiro tempo.
E, logo no começo do segundo, os marroquinos mostraram que suas relações com um bola de futebol podem ser, digamos, bastante tempestuosas. El Hadrioui pisou na dita cuja, Ronaldinho ficou com ela, cruzou para Rivaldo e o jogo terminou ali.
Deu até para a torcida brasileira cantar um "Alá, meu bom Alá", provocação da grossa para adversários de país muçulmano. Como as relações dos marroquinos com o português são ainda mais deficientes do que com a bola, ficou barato.

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