São Paulo, quarta-feira, 17 de junho de 1998
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A má vontade que queima a Amazônia

JOÃO ALBERTO RODRIGUES CAPIBERIBE

As chamas que destruíram uma parcela importante da cobertura vegetal de Roraima não apagaram de vez. Elas continuam ardendo em monturos e poderão voltar se as comunidades brasileiras não entenderem a sinalização da catástrofe.
Tem sido assim na Ásia, Oceania e África, onde as florestas tropicais perdem a batalha para uma economia que considera a natureza um obstáculo ao desenvolvimento.
Os danos ambientais e sociais provocados por essa visão canhestra do desenvolvimento são visíveis na Amazônia desde sua ocupação. Primeiro vieram os europeus e massacraram os índios e o formidável conhecimento que eles tinham da floresta. Depois, os próprios nativos e descendentes seguiram o exemplo, passando a agredir a natureza em nome de um progresso que nunca conseguiram usufruir.
Talvez possamos relevar os erros de quem penetrou na Amazônia há meio século, ou menos, sem conhecê-la e temendo seus mistérios, mitos e fenômenos naturais. Mas não de quem a agride, empunhando diploma de especialista. Os agressores atuais sabem muito bem o que estão destruindo.
As autoridades brasileiras têm à sua disposição milhares de estudos, ensaios, teses, pesquisas e até experiências comprovadas e bem-sucedidas de como explorar a Amazônia gerando riquezas e sem esgotar os recursos renováveis. Mas fazem pouco-caso disso.
Os que pensam e decidem pela região cometem, no mínimo, a insanidade de não refletir sobre a importância que ela tem para a sobrevivência do planeta.
Para nós que vivemos na Amazônia, está claro que a sobrevivência com desenvolvimento e qualidade de vida está condicionada à manutenção da floresta e de outros ecossistemas, ou seja, à exploração de sua biodiversidade de forma sustentável.
Somos extrativistas por excelência. A história prova como soubemos gerar riquezas como a borracha e a castanha do Brasil, há mais de cem anos. Existem produtos novos, como o açaí, o cupuaçu, a pupunha e o guaraná, abrindo mercados e dependendo apenas de boa vontade política para que o bem-estar coletivo e a riqueza sejam ampliados.
Mas é exatamente a falta de vontade política que impede a Amazônia de se tornar um exemplo de desenvolvimento para a humanidade.
As autoridades brasileiras insistem com os megaprojetos predadores, procurando "bovinizar" o Acre, inundar florestas no Amazonas e no Pará com a construção de hidrelétricas ou desmatar Roraima e Rondônia para plantar soja, por exemplo. Isso quando não tratam a região como escoadouro de tensões sociais geradas por pressões por terra no Sul e Centro-Sul do país.
O modelo que permeou todo o regime militar persiste com Fernando Henrique Cardoso e reflete, na verdade, a vontade de médios e grandes empresários, políticos atrasados, tecnoburocratas e até cidadãos comuns, para os quais a palavra "progresso" virou um símbolo venerado, mas que não chega a alterar o cotidiano.
Uma outra maneira de pensar a Amazônia ainda é a iniciativa de ONGs, pesquisadores e intelectuais, dos jovens e, naturalmente, das populações tradicionais com pouca representatividade. O Amapá optou pela segunda tendência, e se deu mal com Brasília.
De 1995 para cá, o governo do Estado tem se desdobrado para tocar sozinho, ou com a ajuda do exterior, o Programa de Desenvolvimento Sustentável do Amapá (PDSA), que FHC elogiou em reuniões em Carajás (PA) e Manaus, passando a ignorá-lo em seguida.
Mesmo assim, em quatro anos investimos R$ 21 milhões do Orçamento estadual em ações de parceria com as ONGs, cooperativas, associações e clubes de serviço, melhorando a saúde, a educação e estimulando as alternativas para gerar emprego e renda.
Temos procurado, sobretudo, valorizar o conhecimento das populações tradicionais (índios, ribeirinhos, parteiras, pescadores) com a introdução de tecnologia para agregar valor aos produtos da floresta tradicionalmente explorados na região.
Foi assim que nasceu a vela de andiroba, um repelente eficaz contra os mosquitos transmissores da malária, dengue e filariose que o ministro José Serra (Saúde) anunciou como descoberta da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), mas que na verdade foi desenvolvido no Iepa (Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Amapá), em parceria com essa fundação.
O ministro não sabe, mas o Iepa já evoluiu, obtendo um produto melhor do que a vela e também conseguindo ótimos resultados com o açaí e o óleo de castanha como alimentos.
Os estudos do Iepa mostram que a economia do açaí gera US$ 20 milhões anuais no Amapá, valor equivalente ao que a Zona de Livre Comércio, criada por José Sarney nesse Estado, movimenta no mesmo período.
Paralelamente, a indústria francesa Provence Regina formou joint venture com uma cooperativa de castanheiros e prepara o primeiro embarque de 20 toneladas do produto, com o qual será elaborado uma espécie de azeite de mesa. Testes mostraram que esse óleo é superior ao azeite de oliva por ter menos colesterol e mais selênio, um antioxidante que reduz a presença de radicais livres no organismo.
Os exemplos indicam claramente que a Amazônia demanda uma política honesta e inteligente para os produtos da região. Uma política para a castanha, o açaí, a borracha, o cupuaçu, a madeira de lei e outras espécies de nossa rica diversidade, provavelmente menos dispendiosa que a dos usineiros do Nordeste, para os quais o governo federal acaba de liberar R$ 1,3 bilhão.
O Estado do Amapá é reconhecido como modelo de desenvolvimento sustentável pelo Ministério do Meio Ambiente, mas isso não basta. É preciso que o presidente da República e seu governo como um todo assumam o compromisso reiterado em várias ocasiões, de ajudar o Estado a definir e concretizar um modelo para a Amazônia.

João Alberto Capiberibe, 48, zootécnico, é governador do Estado do Amapá (PSB). Foi prefeito de Macapá (1988-92) e secretário de Agricultura do Amapá (1985-87).

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