São Paulo, quarta-feira, 17 de junho de 1998
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Imagens do sertão

WAGNER COSTA RIBEIRO

Faltar água no Nordeste não é novidade. Trata-se de uma região semi-árida que, como esse nome explicita, está sujeita a estiagens em determinadas épocas do ano.
O problema não é exclusivo do sertão brasileiro. Outras partes do mundo também recebem pouca ou nenhuma chuva em determinadas épocas. Em algumas delas, os níveis de pluviosidade são até mais baixos que os registrados aqui. A diferença é que lá não temos imagens de flagelados famintos invadindo nossas casas pela televisão, mas sim de colonos sadios e felizes praticando agricultura.
O que diferencia esta seca é que ela foi associada à grande vedete da temporada científica, o El Niño. Muita tinta está sendo gasta para dizer que este ano é excepcional devido à ação do vilão da vez. Ora, é preciso desnaturalizar a seca e combater o falso argumento de sua excepcionalidade. Registros científicos provam que a seca acontece em intervalos que oscilam de 5 a 12 anos.
Talvez esta seca nem tenha sido tão grave quanto se quer fazer parecer que é. Isso só será sabido quando ela terminar. Entretanto a divulgação de imagens em jornais, revistas e, principalmente, por meio da televisão ampliou a percepção da população para o fato, fazendo com que a seca pareça ser assustadoramente grave. É preciso lembrar que essas imagens nada agradáveis se repetem ao longo de séculos no país.
Com a divulgação da seca, temos a mobilização em todo o país para captar alimentos para nossos compatriotas, o que é louvável. Mas isso é muito pouco. Não se pode pensar nesse tipo de solução para as secas que estão por vir.
A experiência internacional deve ser lembrada, se não para servir como modelo, muito mais para ajudar a encontrar soluções. Israel ensinou ao mundo como lidar com a escassez de água. Sistemas extremamente eficientes de abastecimento de água destinados à prática da agricultura permitem que sejam produzidos alimentos a preços competitivos, além de manter parte da população no campo. Outra lição importante: tratar a distribuição da água como questão de segurança nacional.
Por aqui, políticos, governos e flagelados da seca voltam a seus lugares clássicos, cada um aguardando a repetição da história que, como já nos contaram, só se repete como farsa.
Mas há algo de novo, ao menos na aparência. Temos os saques, na maior parte espontâneos, como estampou a Folha no último mês, e alguns organizados pelo MST, movimento social que empresta sua tradição de mais de 15 anos de luta pela terra no Brasil aos que são atingidos pela falta de água.
Inicialmente, naturaliza-se aquilo que já é conhecido. Ato contínuo, surgem os agentes e atores da seca. Saudades do João Cabral, do Glauber...
Mas e a ciência? Onde estão os técnicos? Ao vencedor, as batatas...
As soluções apontadas não rompem com a tradição da potência regional: uma grande, heróica e cara obra chamada transposição do São Francisco.
Nem tudo é simples abaixo do Equador. Logo surge um grito: "Mas não vai faltar para o meu Estado?".
Enquanto isso, especialistas insistem que essa obra é desnecessária. O principal argumento que trazem à discussão é a evaporação elevada da água, o que diminuiria a vazão do rio e aumentaria o risco de salinizá-la, inviabilizando o seu uso. Como alternativa, sugerem construir açudes para reter a água que cai na forma de chuva no sertão nordestino. Mas é preciso distribuí-los junto a cooperativas de agricultores, e não em fazendas de políticos locais.
Por fim, em que pese o caráter cíclico das secas, pouco foi realizado preventivamente. Mais uma vez ignorou-se, como no também lamentável incêndio em Roraima, a voz dos técnicos.
A solução apontada por especialistas já teve bons resultados. Na Paraíba e no Ceará, por exemplo, cultivam-se frutas em terras próximas a açudes para o mercado interno e para exportação. Essa sim deve ser a imagem dos sertões.

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