São Paulo, quarta-feira, 24 de junho de 1998
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Para Zagallo, penta virá com mancha

ALEXANDRE GIMENEZ; JOÃO CARLOS ASSUMPÇÃO; MARCELO DAMATO; MÁRIO MAGALHÃES
DOS ENVIADOS A MARSELHA

O técnico Zagallo reagiu quase com ufanismo à derrota de ontem do Brasil para a Noruega. "Foi uma derrota rumo ao penta", afirmou, apesar de abatido.
Ao ouvir referência ao fato de o Brasil nunca ter sido campeão mundial tendo perdido uma partida, disse: "Em toda a regra há exceção. O penta virá com uma mancha diferente".
Irritado com o que considerou "desconcentração e relaxamento" da equipe, ele ficou mais de meia hora no vestiário conversando com os jogadores, após o jogo, numa reunião de emergência.
Por isso, pela primeira vez num jogo brasileiro na Copa da França, o técnico do time perdedor foi o último a dar entrevista. Nunca Zagallo havia demorado tanto para começar a ser entrevistado.
Ele disse que falou aos jogadores a mesma coisa que aos jornalistas: "A derrota veio na hora certa, quando podíamos perder. Nos desconcentramos depois do gol, a 7 minutos do fim. Eu falei que, mesmo com vaias, tínhamos que ficar tocando a bola, até eles se abrirem, acabando com o marasmo das linhas de quatro e cinco jogadores só defendendo".
Zagallo sustentou a sua opção de não substituir nenhum jogador. "O que vocês fariam? Tirariam quem e botariam quem? Trocar seis por meia-dúzia? Por que, se eu estava gostando do time?"
O treinador repetiu várias vezes que as jogadas norueguesas se limitavam a bolas altas, cruzadas sobre área, embora muitas não tenham sido feitas assim, como no primeiro gol da equipe do técnico Egil Olsen.
"Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura. Até que nos furou, no momento em que era possível perder", afirmou.
Num esforço para manter o "astral elevado", Zagallo pronunciou várias frases de efeito. "Aqui não tem balão nas festas de São João, mas no Brasil tem. A Noruega só jogou bolas para o alto, como prevíamos", disse Zagallo, apesar de a partida ter mostrado uma variação muito maior dos ataques noruegueses.
Questionado sobre se queria uma vingança brasileira, por causa da derrota de 4 a 2 num amistoso do ano passado, o técnico respondeu: "Eu nunca disse isso".
Na quarta-feira, porém, Zagallo afirmou que Olsen estava "entalado" em sua garganta. No segundo tempo do jogo de ontem, o brasileiro virou para torcedores noruegueses que estavam perto do banco brasileiro e discutiu com eles. "Eu não briguei, apenas os gozei, o que é diferente."
Zagallo contou ter "batido papo" com Olsen antes da partida. Depois, o procurou para cumprimentá-lo, mas não o encontrou em meio à festa do adversário, que comemorava a classificação para a semifinal.
O treinador brasileiro disse que achou sua equipe melhor do que a oponente. "O problema é que houve um afunilamento pelo centro, quando deveríamos ter aberto mais a bola pelas laterais. Eu falei isso no intervalo e melhoramos".
Segundo Zagallo, o objetivo da reunião depois do jogo era evitar que os jogadores ficassem muito abatidos. O técnico disse esperar que o time não tenha prejuízos emocionais após a derrota.
"Foi um resultado contrário, mas desses que trazem forças. Não pode significar pressão para a próxima etapa."
O que deixou o técnico mais zangado foi o time ter, na sua opinião, sentido as vaias. "Era para o Dunga tocar para o Júnior Baiano, passando pelo Cafu, pelo Gonçalves, pelo Roberto Carlos. Ora, era para ficar uma sonolência até o fim do jogo."
Zagallo contou que, irritado com o sistema defensivo adversário, provocou os noruegueses na saída para o intervalo -os times saem pelo mesmo túnel. "O Marrocos está ganhando, a Noruega precisa vencer", gritou.
Na entrevista após a partida, numa confusão involuntária, o técnico se referiu várias vezes à derrota da seleção marroquina, que, na verdade, bateu a Escócia por 3 a 0, e foi eliminada mesmo assim.
Zagallo não quis falar sobre o Chile, adversário do Brasil nas oitavas-de-final, sábado, no estádio parisiense Parc des Princes. "Eu estava ligado na Noruega, só agora vou pensar no Chile."
O técnico negou que, no fim da partida, tivesse recordado a derrota para a Nigéria, na semifinal da Olimpíada de Atlanta-96.
Como ontem, naquela competição o Brasil perdeu no final, depois de estar vencendo.
Outra semelhança: o terceiro gol nigeriano em 96 nasceu de um passe errado de Rivaldo, como o primeiro da Noruega no estádio Vélodrome.
Quase tudo deu errado ontem para Zagallo: a "tentação" de escalar um meia ofensivo, como Denílson, deu apenas parcialmente certo -ele criou o gol, mas o time perdeu.
O técnico, antes da Copa, dizia esperar que a seleção chegasse à terceira partida no auge. Foi quando, justamente, perdeu.
Num jogo que não valia nada, "um treino de luxo" para Zagallo, o time sofreu o impacto da derrota. "Mas ela não vai deixar sequelas", afirmou o treinador.
"Tivemos uma grande lição, quando o jogo estava ganho. Como ele não valia nada, o subconsciente afetou os jogadores."
Como havia antecipado antes da derrota de ontem, Zagallo reafirmou que o meia defensivo César Sampaio, que estava suspenso, voltará ao time no sábado.
O ataque será formado por Ronaldinho e Bebeto, com Denílson ficando no banco. A zaga terá Aldair e Júnior Baiano.
A grande ironia do jogo de ontem foi que o primeiro time classificado para a segunda fase chega a ela com o peso de uma derrota. De novo, como antes da Copa da França, a marca da seleção brasileira é a sua imprevisibilidade.
(AGz, JCA, MD e MM)

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