São Paulo, quarta-feira, 24 de junho de 1998
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As mulheres e o poder

JOAQUIM FALCÃO

A nomeação de Cláudia Costin para ministro da Reforma Administrativa evidencia que estamos atrasados. As mulheres estão ausentes de quase todos os cargos de destaque, no governo e na sociedade. Tanto no Poder Executivo quanto no Legislativo ou Judiciário. Tanto nas empresas quanto nas associações de classe.
Comecemos com o governo federal. Não havia até agora nenhum ministro de Estado mulher. Ainda não existe mulher no Supremo Tribunal Federal. Nem no Superior Tribunal de Justiça, no Tribunal Superior Eleitoral, no Tribunal Superior do Trabalho ou no Tribunal de Contas da União. Sem falar no Superior Tribunal Militar, na Presidência ou na vice-presidência da República. Também não são mulheres o presidente e vice-presidente da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal.
Nenhuma mulher comanda uma importante empresa estatal, privatizável ou ameaçada de. Nem faz parte da diretoria da Petrobrás, da Telebrás, do Banco do Brasil ou do Banco Central, por exemplo.
Os governos estaduais também estão atrasados. Com exceção de Roseana Sarney, no Maranhão, nenhuma mulher é governadora de Estado. Nenhuma é presidente de qualquer das 27 Assembléias Legislativas estaduais, ou presidente de qualquer dos Tribunais de Justiça estaduais.
Vamos para a sociedade.
Nenhuma mulher é presidente de uma confederação sindical ou patronal. Nenhuma mulher preside qualquer das 27 federações de indústrias dos Estados. Nenhuma mulher foi ou é presidente de sindicatos de metalúrgicos. Nem CUT nem Fiesp.
Nenhuma mulher faz parte da diretoria da ABI ou da diretoria do Conselho Federal da OAB. Mais ainda, nenhuma mulher é presidente nacional de qualquer partido político, de situação ou de oposição.
Essa ausência das mulheres no governo começa a ser combatida em nível federal com um programa que visa, em dois anos, igualar as oportunidades de acesso aos cargos públicos.
A ausência é minimamente amenizada no setor privado. De cada 100 pessoas que trabalham, 40 são mulheres. Mas só ocupam 10% dos postos de presidência em médias e pequenas empresas e 4% nas grandes. Nenhuma mulher é presidente de qualquer dos grandes jornais ou de nossas redes de televisão. Algumas, porém poucas, começam a conquistar situações de poder real. Kati Almeida Braga, no Banco Icatu, Marluce Dias da Silva, na TV Globo, e Nélida Piñon, na Academia Brasileira de Letras, entre outras. Mesmo assim, é difícil dizer que estejamos diante de tendência consolidada.
Nesse cenário, Ruth Cardoso destoa, com sua liderança, elo entre governo e sociedade. Uma visão simplista debitaria essa situação à tradição "machista" brasileira. O que justifica muito, mas explica pouco. É importante focalizarmos com mais precisão os obstáculos à chegada das mulheres ao poder. São múltiplos. Focalizemos dois, entre outros.
O primeiro seria o obstáculo da qualificação técnica. As mulheres não estariam suficientemente formadas ou preparadas para o poder.
Esse argumento não procede mais. As mulheres já são maioria na população economicamente ativa, e 42% concluíram o segundo grau, enquanto apenas 26% dos homens o fizeram (além disso, 55% das mulheres permanecem estudando durante 11 anos ou mais, contra 45% dos homens).
Na administração federal, elas já representam 44% dos funcionários, embora apenas 39% dos cargos de comissão. Mas quanto mais alto o cargo, menor a presença das mulheres. Pesquisas do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro) sobre o Judiciário indicam acelerada e progressiva feminização da Justiça.
O outro obstáculo é o voto. O ideal da igualdade de oportunidades ainda não se traduziu em votos. O eleitor, mulher inclusive, provavelmente ainda confia mais no homem do que na mulher.
As próximas eleições representam excelente oportunidade para tentar reverter essa atitude, o que não será porém conquistado por imposição legal. As cotas de 20% de mulheres candidatas, instituídas pela lei eleitoral, não têm sido suficientes para resolver a questão da representatividade feminina. Vários partidos não conseguem cumprir a lei por falta de candidatas (ou preencheram as listas com nomes femininos, mas não deram o apoio necessário ao sucesso das candidaturas).
Vencem as eleições mulheres que há muito já exercem alguma liderança em comunidades, sindicatos e partidos. Há pouca renovação desses quadros. Nem mesmo no PT do Rio de Janeiro, que adota a cota de 30% de mulheres na composição das direções partidárias, verificou-se o despontar de novas lideranças com potencial eleitoral.
Estamos atrasados. Mas tudo é questão de tempo. A tendência internacional e a força da democracia brasileira favorecem o progressivo acesso das mulheres ao poder. A partir daí, as perguntas que nos interessam são apenas duas: falta muito para que isso ocorra? O Brasil poderá então esperar que o poder vá ser mais bem exercido?

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