São Paulo, sexta-feira, 26 de junho de 1998
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Pacote teve maldade desnecessária, diz FHC

VALDO CRUZ
DIRETOR-EXECUTIVO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O presidente Fernando Henrique Cardoso não quer participar de debates no primeiro turno, avalia que seu governo caiu nas pesquisas porque subestimou o sentimento da população e, para reagir e ganhar a eleição, vai aumentar seu lado "candomblé".
FHC recebeu ontem um grupo de jornalistas no Palácio da Alvorada. Durante almoço, analisou as medidas do pacote fiscal de novembro de 97. Classificou algumas de "duríssimas", como a alta nos juros, e outras como "maldades desnecessárias" propostas pela equipe econômica.
O presidente disse que chegou a pensar que estava "liquidado" quando baixou o pacote fiscal para enfrentar a crise asiática. "Pensei que estava liquidado. As medidas eram tão duras que achamos que elas teriam impacto já em dezembro", disse FHC.
Efeitos
Os piores efeitos do pacote, no entanto, começaram a ser percebidos pela população apenas neste ano, avaliou o presidente. Entre esses efeitos, o principal foi o aumento do desemprego.
O presidente disse que a equipe econômica sabia que algumas medidas do pacote eram desnecessárias, com o único objetivo de mostrar ao mercado que o governo não tinha medo de tomar medidas impopulares.
Entre elas, FHC cita a demissão de 33 mil servidores públicos não-estáveis e o aumento na taxa de embarque em viagens internacionais.
"Eu disse que havia algumas maldades desnecessárias. Perguntei a eles: Vocês querem que eu mostre que tenho coragem de adotar medidas duras? Querem que eu assine? Eu assino."
O presidente afirmou ter argumentado com a equipe econômica que a demissão dos 33 mil funcionários não teria nenhum impacto. "Além disso, precisamos desse pessoal."
A medida mais forte, destacou FHC, estava decidida: a duplicação das taxas de juros, que passaram de 20,7% para 43,41% no auge da crise da Ásia, que levou a um ataque especulativo contra o real.
A demissão dos servidores foi anunciada pela equipe junto com o pacote fiscal, mas nunca foi implementada. O ex-ministro Bresser Pereira (Administração) também era contra a medida e acabou fazendo o governo recuar.
Debate
O presidente disse que decidiu não participar de debates no primeiro turno depois que as pesquisas começaram a apontar uma reação diante de seu principal adversário, o candidato petista Luiz Inácio Lula da Silva.
"Não vou a debates no primeiro turno. Posso mudar de opinião se cair nas pesquisas", comentou. Ao ser questionado se isso não era mudar regras no meio do jogo, FHC afirmou que "política não é regra, é criatividade".
O presidente fez uma avaliação sobre os motivos de sua queda nas pesquisas registrada em maio e junho. Citou o desemprego, a seca, o incêndio em Roraima, a alta no preço do feijão e sua declaração classificando de "vagabundo" quem se aposenta antes dos 50 anos de idade.
FHC disse ainda que o governo não estava tomando uma posição muito racional diante desses problemas. "O governo estava no olimpo, subestimando o sentimento da população."
Candomblé
A queda nas pesquisas, segundo o presidente, mostrou que a população se cansou da "racionalização" do governo. "Chega um momento que a população não quer saber de racionalização, quer é emoção."
Para acabar com essa imagem de governo frio e racional, FHC pretende seguir os conselhos de alguns aliados políticos, como o senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA). "O gestual, na política, conta. Minha parte de candomblé precisa aumentar."
O presidente disse que "a bronca" dos eleitores, até agora, não foi para definir voto, apenas para mostrar que estão descontentes. O governo, segundo FHC, tem de evitar que a "bronca" volte.
Durante a campanha, o presidente pretende seguir conselhos do colega norte-americano Bill Clinton. O presidente americano disse a FHC que conquistou seu segundo mandato dizendo o que pretendia fazer, não o que já tinha feito.
"É o que o Clinton me disse. Tem que dizer o que vai fazer e mostrar que tem condições de ser feito. Não adianta também ficar só prometendo", afirmou.
FHC voltou a criticar a "oposição de esquerda", dizendo que ela tem errado nos últimos anos porque nunca discute a sério com o governo os problemas do país.
A oposição, segundo o presidente, não consegue perceber que "a realidade é dura" e que o governo "tem de operar com essa realidade". Em seguida, lembrando das críticas de que seu governo é muito "racional", FHC afirmou que o governo tem de "operar também com o sofrimento do povo".
Hora certa
FHC disse que a população, por meio das pesquisas, fez o governo acordar. "E acordou na hora certa." Segundo ele, muitos problemas são amplificados pelos adversários do governo. "Pecado venial (desculpável, perdoável) vira pecado mortal. São os adversários que fazem isso."
Questionado se acredita que pode vencer no primeiro turno, o presidente desconversou. "Eleição é uma surpresa. Tenho experiência", disse FHC, que chegou a perder uma eleição considerada ganha em 1985 -Jânio Quadros o derrotou na disputa pela Prefeitura de São Paulo.

LEIA MAIS sobre a entrevista do presidente no caderno Dinheiro

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