São Paulo, sexta-feira, 26 de junho de 1998
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Quando os árbitros ficam nus

CLÓVIS ROSSI

Quem leu ontem a coluna de Janio de Freitas terá notado que havia uma perfeita divisão de opiniões a respeito do já famoso pênalti que decretou a derrota do Brasil contra a Noruega. Famoso não pela derrota do Brasil, que nada alterou em termos de classificação, mas pela conseqüente eliminação de Marrocos.
Janio e o filho de Juca Kfouri, situados atrás do gol então defendido por Taffarel, juram que houve a falta. Eu, na tribuna de imprensa, mais perto do gol contrário, também jurei a mesma coisa, no ato. Mas, depois, vendo e revendo o lance na TV, mudei de opinião.
Carlos Heitor Cony também acreditava, sempre com base na TV, que não houvera falta.
No dia seguinte, revi o lance incontáveis vezes e em vários idiomas (francês, inglês, espanhol e italiano), claro que com a mesma imagem. A sentença era unânime: não foi pênalti.
Só ontem, ao ver, finalmente, teipe da TV sueca, percebi que Janio tinha razão. De fato, Júnior Baiano puxou o atacante norueguês pela camisa.
Muito bem. Se o olho eletrônico só consegue comprovar, sem margem para polêmica, se houve ou não pênalti depois de incontáveis repetições, o que dizer então do árbitro?
Ele vê a jogada de um único ângulo e, até onde sei, sua retina não dispõe de um "replay" automático que lhe permita revê-la até decidir o que marcar. E, em vez de horas, até dias, dispõe de segundos para resolver.
Conclusão, copiada do caderno Copa do jornal francês "Le Monde": "O árbitro está nu. (...) A televisão tornou o ofício de árbitro totalmente impossível".
É a mais pura verdade. Antigamente, quando apenas o rádio transmitia futebol ou quando não havia VT, ainda era possível ao árbitro errar sem ser exposto a uma execração universal, como está ocorrendo agora com os juízes de Brasil x Noruega e Camarões x Chile (por conta do gol anulado de Camarões).
Nem importa que não tenha havido erro no caso do pênalti contra o Brasil.
Acaba prevalecendo a versão eletrônica, que, em todos as repetições mostradas em vários países, não revela o pênalti.
Pior: dá margem a uma suspeita tola de que tudo não passa de conspiração para afastar os países africanos da Copa (por acaso, os dois prejudicados são justamente da África).
Menos mal que o moderador da mesa-redonda da TV italiana teve o bom senso de dizer: "Não teria o menor sentido ampliar o número de seleções africanas na Copa apenas para eliminá-las por erros de arbitragem".
Até porque não consta que o juiz do jogo Brasil x Noruega estivesse com um radinho de pilha no ouvido, acompanhando Marrocos x Escócia, disputado a 330 km de distância, apenas esperando para ver se valia a pena ou não marcar o pênalti e, com isso, eliminar os africanos.
O ponto não é esse. O ponto é a necessidade de introduzir elementos eletrônicos para ajudar o árbitro. O fato de nem o olho da câmera ter servido plenamente para esclarecer a coisa, no jogo Brasil x Noruega, só reforça o argumento. Se a eletrônica tem suas lacunas, o olho humano as tem em dobro ou triplo.
A Fifa reage sempre com um velho argumento: "Os erros de arbitragem fazem parte do jogo", frase repetida por Michel Platini, agora "cartola", após os problemas da terça-feira.
Falta fazer a pergunta decorrente dessa obviedade: é bom que seja assim? O mais elementar bom senso manda responder não.

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