São Paulo, sexta-feira, 26 de junho de 1998
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Que negócio é esse

JANIO DE FREITAS

Razões não faltam e dos mais variados tipos, para as manifestações de desagregação aguda entre os jogadores brasileiros, captadas a partir da derrota para a Noruega. Mais do que nunca, porém, "a partir" nada tem a ver com provocada por. A derrota, como é próprio das derrotas, abriu nova oportunidade de acesso dos repórteres a uma parcela do clima e da intimidade da seleção. É fácil perceber que essa nova safra traz novas formas para os mesmos problemas de antes.
Ou melhor, para os problemas mais óbvios, produzidos pelo absurdo de chegarmos à Copa sem uma seleção definida e, portanto, com tudo para dissolver o espírito de equipe em inseguranças agressivas e concorrências traiçoeiras. Mesmo já passados três jogos, aliás, continua-se sem saber qual é a formação titular do time.
A meu ver, porém, o fato de que Ronaldo, Rivaldo e Roberto Carlos sejam as figuras centrais da "nova crise" - e, em certa medida, também do desempenho crítico do time- não se deve só, nem principalmente, aos desarranjos internos.
Já em duas ocasiões, Johan Cruyff, O Prodigioso, opinou que o destino da seleção brasileira depende, sobretudo, da dupla Ronaldo-Rivaldo. O que se pode dizer assim: depende de que estes dois se tornem uma dupla ou, pelo menos, jogadores do mesmo time. O que, por sua vez, depende de que Rivaldo, como Cruyff e outros têm observado, pense menos em tentar um gol seu, a qualquer custo, e abasteça Ronaldo.
O outro fominha, lembrando aí uma gíria do futebol de tempos mais pródigos, é Roberto Carlos. Não só Rivaldo, mas quase todos estão lhe retribuindo a voracidade individual com um boicote explícito. Note, então, o que entrelaça os três nos papéis principais do drama brasileiro:
- Ronaldo, deixado em campo à própria sorte, foi considerado, com todas as fortunosas vantagens daí provenientes, o melhor do mundo em 97 e maior candidato ao título de melhor da Copa. E às fortunosas vantagens daí decorrentes.
- Roberto Carlos foi considerado o melhor da Espanha em 97, o segundo do mundo e candidato privilegiado, na eventualidade de insucesso de Ronaldo, a melhor da Copa, com todas as fortunosas vantagens daí decorrentes.
- Rivaldo, tido como a mais promissora cria da estirpe de grandes meio-campistas, com tanto apetite individual que é também goleador (artilheiro do Barcelona), chegou à Copa com toda a consciência de que dela poderia sair entre os maiores do mundo, o melhor de sua posição. Com todas as fortunosas vantagens daí decorrentes.
Dupla? Trio? Entrosamento de equipe? Só se houvesse quem, de cima, impusesse a autoridade de técnico ou lá do que fosse. E, no caso, nem seria impor-se só às tendências de cada jogador. Hoje em dia, os jogadores orientam-se por seus agentes comerciais, os especialistas em buscar as fortunosas vantagens que podem surgir das pernas dos craques. Ou melhor, desses homens de negócios que compõem seleções como a brasileira.

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