São Paulo, domingo, 28 de junho de 1998
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O Plano Real é bom, mas já foi melhor

JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO
DA REPORTAGEM LOCAL

Maioria quer mais salário e emprego

Principal motor da campanha da reeleição de Fernando Henrique, o real sofre críticas na camada mais numerosa da população, os excluídos. É entre essas pessoas com escolaridade e renda baixas que os efeitos da estabilização da economia parecem estar mais desgastados -mas não esgotados.
As críticas surgem na boca de eleitores de FHC e de Lula, embora o eleitorado do petista seja mais incisivo nas reclamações. Os pró-tucanos ainda destacam as vantagens de viver com os preços praticamente estáveis.
Além do desemprego, o fator que mais se sobressai como ponto negativo do Plano Real é o valor dos salários. "O salário não sobe", constata um eleitor de FHC. "O dinheiro sumiu", diz outro.
Apesar de o salário mínimo ter dobrado desde o início do real -passou de R$ 64,79 para R$ 130,00-, nos últimos meses o preço da cesta básica teve uma aceleração maior do que o rendimento dos assalariados: subiu 13,3% de novembro a maio.
Um dos principais vilões desse aumento foi justamente um dos pratos mais comuns na mesa dos excluídos. O quilo do feijão triplicou entre janeiro e junho, passando de cerca de R$ 1,00 para R$ 3,00. Nesse meio tempo, o salário mínimo subiu 8,3%.
'Inflação falsa'
Mas não são só os preços dos alimentos que provocam reclamações. "Passaram um ano aumentando as contas de água, luz e telefone, mas o salário não", afirma um eleitor do petista.
Isso gera desconfiança sobre os índices oficiais. "Acho que a inflação é falsa", diz um excluído pró-Lula. "As coisas parecem que não sobem, mas o salário não dá", reclama outro.
Mesmo descontentes com o valor dos salários, os excluídos ainda enxergam o Plano Real como um avanço. "Melhorou a alimentação, hoje a gente pode comprar as coisas", afirma um eleitor de Fernando Henrique. "O real está sendo útil para o país. Agora você tem um parâmetro", diz um pró-Lula.
No eleitorado do petista, entretanto, é feita uma ligação entre o Plano Real e o desemprego. "Não adianta um país sem inflação, mas também sem emprego", afirmam.
Os eleitores de FHC buscam outros culpados: "A situação piorou com a terceirização", "O povo não está preparado", "A crise é um processo mundial".
Eles chamam uma fatia da responsabilidade para si próprios. "A gente tem que fazer a parte da gente, tem que correr atrás. Se for deixar tudo na mão do governo, todo mundo vai cruzar os braços".
E ainda dão uma carência ao presidente: "Quando o Fernando Henrique assumiu, disse que ia melhorar o país, mas que não ia ser de um dia para o outro. Ele ainda pode mudar em quatro anos".
Nas questões econômicas o presidente recebe críticas, mas ainda tem margem de manobra. Na área social, entretanto, as reclamações são mais incisivas, tanto entre seus eleitores quanto nos de Lula.
Quando esse assunto é abordado, ambas as facções logo se lembram da seca no Nordeste, a qual classificam de "indústria". Reclamam que o dinheiro destinado à região não resolve o problema: "Quem pega são os coronéis".
Os eleitores dos dois grupos apontam a mesma razão para a seca não ser resolvida: não há interesse em acabar com a seca porque ela é matriz do poder na região.
"Uma parte do governo usa a seca para se eleger", diz um eleitor de Lula. "Se acabar com os problemas, não tem política", resume um excluído que vota em FHC.
O tom exaltado se repete ao falarem sobre a situação da saúde. "A saúde está doente", afirma um eleitor de Lula. "Se você não tem plano de saúde (privado), já viu", diz um pró-FHC.
Há uma percepção geral de que a arrecadação da CPMF não está sendo aplicada onde deveria. "Falaram que o dinheiro era para a saúde. Não sei para a saúde de quem", diz um pró-FHC.
O peso da idade
Mais do que nos outros grupos sociais, há uma preocupação dos excluídos com a reforma previdenciária. Um dos motivos é que existe nesse segmento uma grande concentração de aposentados ou de trabalhadores em vias de se aposentar.
"Se você se aposenta com esse salário (mínimo), ou você se vira, ou morre de fome", dizem. Essa preocupação se soma à dificuldade de arrumar emprego com o passar dos anos. "Parece até que a pessoa com mais de 40 anos não precisa mais viver".
Indagados sobre a privatização das estatais, os excluídos desconfiam. Os eleitores de Lula são os mais críticos ao processo. "É uma roubalheira". Acham que há uma perda para o país: "Estão vendendo uma coisa que é do povo".
Também se incomodam com o fato de que boa parte dos compradores são estrangeiros. "Cada vez que privatizam, vem alguém lá de fora e compra". Acham que isso implica menos vagas: "É menos emprego para o brasileiro, porque já vem gente encaixada (empregada) lá de fora".
Entre eleitores de FHC há dúvidas que mostram falhas na comunicação oficial: "Por que vendem o que é nosso para o exterior? Não é isso que causa o desemprego?"
Assim como nos outros grupos sociais, as maiores divergências entre os eleitores dos dois presidenciáveis estão nas suas opiniões sobre os candidatos.
Para os que votam no petista, "ele está do lado dos pobres", "vai melhorar a situação da classe baixa", "quer gerar emprego".
Para os eleitores de FHC, Lula é "encrenqueiro" e "arrogante". Associam sua imagem a "greve" e "tumulto". Dizem que ele não tem chance de ganhar e que, se eleito, não terá apoio. "Vai fazer que nem o João Goulart (presidente deposto pelos militares)".
Já a imagem de FHC entre seus eleitores é de "uma ótima pessoa", "simples", que "fala bem", embora "de vez em quando pisa na bola (referência a ter chamado aposentados de vagabundos)".
Para os que votam em Lula, Fernando Henrique é "manipulado". Dizem que "ele tem cultura, mas tem alguma coisa por trás dele". Acham que FHC "tem duas caras".

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