São Paulo, domingo, 28 de junho de 1998
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Crise não é de desemprego, mas de salário e educação

GILBERTO DIMENSTEIN

Apesar de ser o tema preferido das eleições, o desemprego não é o mais grave problema brasileiro.
Jogados no palanque, os indicadores do Dieese ou do IBGE se prestam a desinformar e iludir, na busca de votos.
Ambos os candidatos mais cotados à Presidência -Fernando Henrique Cardoso e Lula- informam dispor da fórmula mágica.
Documento preparado semana passada pelo Seade (Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados), responsável pela pesquisa sobre desemprego na região metropolitana de São Paulo, ajuda a entender como o buraco é mais embaixo.
Boa parte da desocupação se explica apenas por causa da miséria.
Mais grave, portanto, é a renda dos brasileiros, milhões deles obrigados a trabalhar antes do tempo, inchando precocemente a fila dos desocupados.
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Pela primeira vez, a Fundação Seade detalhou em números absolutos o desemprego por faixa etária.
A partir daí podemos avaliar melhor quem são os mais atingidos. Até chegar a essa resposta vamos vendo os absurdos nacionais -os absurdos que deveriam, de fato, estar no topo da agenda dos candidatos.
De 10 a 14 anos de idade na cidade mais rica do país (imaginem nas mais pobres) temos 134 mil brasileiros trabalhando; o que, diga-se, é proibido pela lei.
Dos 1,6 milhão de desempregados em São Paulo, 70 mil são crianças nessa faixa etária.
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Entre os 15 a 17 anos de idade são meio milhão que compõe a chamada população economicamente ativa -estão , assim, trabalhando ou procurando trabalho.
Desse total, 237 mil ganharam o rótulo de desempregados.
O costume com a miséria nos faz considerar normal a estatística, informando, friamente, que 50% dos brasileiros entre 10 e 17 anos (repitamos, 50%) estão sem trabalho.
Num país civilizado, esses meninos e meninas deveriam estar apenas estudando.
Não são sem trabalho. Mas sem escola.
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Jogue essa estimativa no Brasil. Teríamos algo próximo de 10 milhões de brasileiros entre 10 a 17 anos com o título de desempregados.
"Um fator do desemprego é devido à baixa renda, provocando aumento de procura", afirma o professor José Pastore, da Universidade de São Paulo, atualmente um dos mais importantes pensadores brasileiros sobre o trabalho.
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Pegue o caso de São Paulo.
Se tivéssemos o nível de escolaridade de um país civilizado -ou seja, 95% de matriculados no segundo grau e 30% na faculdade- aquele 1,6 milhão não chegaria, quem sabe, a 800 mil.
"Aumentar a renda significa, em nosso caso, diminuir a procura por emprego", acredita Pedro Paulo Martoni, diretor-executivo do Seade.
Nem estou calculando, aqui, a demanda dos subempregados, com rendimentos aviltados, sempre de olho numa vaga melhor -nas estatísticas, acabam também entrando como desempregados, apesar de se virarem com um bico.
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Antes que algum desinformado acuse esta coluna de alienação, quero dizer o seguinte: evidente que existe um problema de emprego, afetado cada vez mais violentamente pela globalização e investimento em tecnologia.
Só que a questão central relevante é mais séria -ou seja, a miséria.
A bomba social está engatilhada porque a economia vem exigindo cada vez mais escolaridade.
A tradução: os sem-escola estão mais próximos da marginalidade e da delinquência, nutrindo as estatísticas não apenas de desemprego, mas de criminalidade.
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Conclusão: se os candidatos não colocarem o tema da integração dos jovens ao mercado de trabalho no topo de suas preocupações, simplesmente não conhecem, de fato, o tamanho da crise social brasileira.
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PS - Vai ser divulgado amanhã, no Instituto Cultural Itaú, em São Paulo, um valioso estudo sobre profissionalização de adolescentes.
Em parceria com o Unicef e Ministério do Trabalho, uma série de fundações avaliou como está conseguindo, em todo o país, tirar jovens da marginalidade, com baixa escolaridade, treinando-os para entrar no mercado de trabalho.
É daqueles estudos que deveriam ficar na cabeceira de qualquer homem público.
É um relato de experiências realizadas por 1.076 entidades não-governamentais. Esses segmentos mostram o lado público mais criativo e ágil do Brasil, revelando nossos caminhos para o próximo milênio.
Muitos deles não são apenas treinamento profissional, mas ensino para cidadania.

E-mail - gdimen@uol.com.br

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