São Paulo, domingo, 28 de junho de 1998
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Países como o Brasil podem evitar crises?

MICHAEL PETTIS

Os mercados mundiais têm sido fortemente pressionados pelo medo do colapso das moedas. A movimentação do mercado brasileiro de ações, de repente, começa a sofrer uma grande influência de acontecimentos não relacionados com ela, como a dívida "podre" nas carteiras dos bancos japoneses e o fracasso dos leilões dos títulos na Rússia.
Com tanta atenção, no mundo todo, voltada para as crises das moedas, os investidores se perguntam se o Brasil vai entrar na longa lista dos países que sofreram colapsos. Qual é, então, a causa dessas fortes desvalorizações, e por que tantos países subitamente aparentam ser tão vulneráveis?
Geralmente, nem governos nem especuladores estrangeiros prevêem crises. São eventos caóticos, em boa parte iniciados por mudanças bruscas de credibilidade e intensificados por inadequadas estruturas de manejo de passivos externos, típicos de muitas economias menores, incluindo o Brasil.
No momento em que acaba a confiança na moeda ou nos mercados, os que lançam os ataques, fazendo ruir as moedas, não são os notórios especuladores "anglo-saxões" -vilões da história na crise da Malásia e na França-, mas sim os investidores e devedores domésticos que tomam medidas perfeitamente nacionais para se proteger, já que correm risco de descasamento de seus ativos e passivos. É sua conduta defensiva que causa a espiral descontrolada que leva à crise.
Mesmo após a crise inicial, não são os especuladores estrangeiros que alimentam o subsequente desarranjo no mercado. São as grandes empresas domésticas, que estão endividadas em dólares e precisam desesperadamente de um "hedge" preventivo, em face da rápida valorização desses seus endividamentos.
Na Indonésia, por exemplo, depois das primeiras desvalorizações (em julho e agosto de 1997), o mercado já aparentava estar estabilizado em setembro. Os especuladores estrangeiros ficaram razoavelmente satisfeitos em relação aos fundamentos econômicos do país; até pensavam em comprar rupias. Contudo, eles não perceberam que as grandes empresas domésticas começavam a vender fortemente suas rupias, para comprar dólares e obter um "hedge" contra o imenso peso de seu endividamento em dólares. Foram essas vendas descontroladas que finalmente causaram o colapso da moeda.
Pior ainda foi o caso da Coréia, um país que, em dado momento, parecia quase imbatível na sua corrida para alcançar os países ricos do mundo. Depois da primeira queda do won, os investidores ficaram alarmados ao saber que a dívida coreana de curto prazo havia estourado às escondidas e ultrapassado os US$ 110 bilhões. As grandes empresas coreanas entraram numa corrida frenética, fugindo em pânico das posições na sua própria moeda. Ao fazer isso, geraram o mesmíssimo colapso contra o qual tentavam se proteger.
Quais são as lições das últimas crises cambiais? Em primeiro lugar, são sempre inesperadas, não planejadas. Os países que dependem de poupança do exterior para suprir suas necessidades de investimentos (como todo mercado emergente, inclusive o dos EUA no século 19) sempre importam enorme volatilidade com as mudanças na liquidez global; isso, inevitavelmente, leva a crises cíclicas de mercado.
Em segundo lugar, a forma de atuar que parecia racional no período de confiança -como contrair dívidas de curto prazo em moeda estrangeira, tão barata- logo torna-se parte do mecanismo que acelera o colapso.
As instituições que apostam fortemente na recuperação ou na estabilização são as que mais perdem com as mudanças rápidas no cenário econômico, que aumentam sua exposição e sua vulnerabilidade. As grandes empresas na Ásia, por exemplo, se aproveitaram demais da possibilidade de obter empréstimos favorecidos pela atrativa taxa do dólar.
Infelizmente, depois de uma primeira desvalorização, que talvez nem fosse muito grande, essas empresas ficaram perigosamente expostas. Começaram a vender suas posições em moedas nacionais e a comprar dólares para se proteger. Contudo, para muitos foi tarde demais. Pior, foi precisamente essa atividade -de todos, ao mesmo tempo, correrem atrás do "hedge"- que esvaziou as reservas dos bancos centrais e levou ao colapso das moedas.
A história foi a mesma no México, na Tailândia, na Suécia, na Itália, na Indonésia, na Coréia e nos demais países levados à insolvência ou quase insolvência por causa da desvalorização súbita. O risco de descasamento de ativos e passivos em diferentes moedas sempre aumenta a pressão.
Finalmente, e mais importante, o melhor momento para prevenir a crise não é quando o futuro começa a parecer perigoso, mas quando as perspectivas aparentam ser tão boas que soa como loucura preocupar-se com uma queda.
Contudo, é precisamente quando há muito otimismo que a maioria das grandes empresas e dos governos atua como se fosse desnecessário tomar as medidas adequadas; seu único objetivo é aproveitar condições cada vez melhores.
Esse processo sempre resulta em custos maiores quando as condições pioram. Os economistas já concordam que é essa a causa fundamental das crises: as previsões que elas mesmas -pelo próprio fato de surgir- fazem se materializar.
Com todas as atenções voltadas para o Brasil como "bola de vez", podemos esperar um colapso do real, semelhante aos que foram vistos no México e na Ásia? Ninguém sabe com certeza; seria tolice tentar prever. Mas, se os mercados em algum momento se recuperarem, seria ainda mais tolo supor que o mercado foi salvo por medidas governamentais corretas e que essas políticas protegerão o Brasil no futuro.
A verdade é que os fluxos de capital externo são enormes em relação à economia brasileira. Há muito pouco que o governo possa fazer, exceto fingir que tem controle e, assim, tentar desacelerar o desgaste de confiança.
No caso de os bons tempos voltarem, os técnicos financeiros das grandes empresas e do governo devem assumir uma posição temerosa e preparar-se para o pior. Para países como o Brasil, os grandes choques externos inesperados não só são possíveis como também inevitáveis e frequentes. Não haverá reforma alguma -da moeda ou da economia- que possa evitar isso.

Tradução de Thomas Nerney

norte-americano, 39 anos, mestre em finanças, diretor do banco de investimentos Bear Stearns e professor-associado de finanças na Graduate School of Business da Columbia University (EUA).

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