São Paulo, domingo, 28 de junho de 1998
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Atacante pensou em suicídio

MALU GASPAR
DA REPORTAGEM LOCAL

O índio caiová-guarani Awá, 17, atacante da seleção indígena, diz que chegou a pensar em se matar quando ficou sabendo que não poderia mais jogar durante a Copa do Mundo, na França.
Na tribo, o suicídio é uma prática comum entre os jovens, que se desesperam com a falta de oportunidades profissionais e de mostrar que são "tão bons quanto o homem branco".
Em sua tribo, os suicídios haviam parado quando ele e o companheiro Aguilera, que já voltou para a aldeia, foram escalados para o projeto.
Aguilera, que também atua como atacante, chegou a dizer que tinha medo do que poderia acontecer com os jovens na tribo quando soube do fracasso.
Ainda hoje, Awá se emociona quando fala no assunto, mas afirma que o pior período da depressão já passou.
Uma das razões da recuperação, segundo o índio, que mora numa reserva da Funai em Dourados, no Mato Grosso do Sul, é a possível "peneira" (teste seletivo) na Holanda, que será realizada nas próximas semanas.
Mas Awá vai viajar sem ter voltado para sua aldeia. "Tive vergonha de voltar para lá sem poder mostrar que eu consegui", disse ele, por telefone à Folha, de Tocantins, onde espera para viajar para o exterior pela primeira vez na vida.
(MGs)
*
Folha - Qual foi a reação do time quando soube que não iria mais jogar durante a Copa do Mundo na França?
Awá - Todos ficaram muito tristes, muitos se revoltaram. Alguns pensaram em matar os homens que nos enganaram, outros queriam se suicidar.
Folha - E você, também pensou em se matar?
Awá - Para dizer a verdade, pensei sim.
Folha - E o que fez você mudar de idéia?
Awá - Eu pensei muito, procurei ficar sozinho, chorei bastante e cheguei à conclusão de que nem tudo está perdido. Eu posso ter outra chance.
Folha - E, a partir de agora, você vai acreditar nas promessas que fizerem para vocês?
Awá - Eu continuo acreditando. Para nós, o futebol é uma forma de mostrar que a gente pode vencer na vida.
A minha tribo é um povo muito pobre e muito carente, e ver os brancos com carro e muitas coisas faz a gente pensar que não temos chance de ser alguém. Ir para a França era um jeito de mostrar para a minha tribo que a gente é tão bom quanto o branco.
Folha - O seu companheiro, Aguilera, voltou para a aldeia. Você sabe como foi?
Awá - Não sei, mas acho que deve ter sido muito triste. Eu teria vergonha de voltar para lá sem ter conseguido. Agora só quero ir para a Holanda.
Folha - E se a promessa não for cumprida de novo, você vai desistir e voltar?
Awá - Não. Eu vou tentar até o fim.

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