São Paulo, terça-feira, 30 de junho de 1998
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Uma tese imbecil de guerra e futebol

JOSÉ ROBERTO TORERO

As semelhanças entre futebol e guerra são gigantescas.
Nos dois casos temos defesas, ataques, estratégias, espiões para observar o inimigo, um capitão para comandar a batalha, artilheiros e até bombardeios aéreos, chamados eufemisticamente de chuveirinhos.
E se algum leitor ainda duvida da íntima relação entre guerra e futebol, basta examinar a terminologia desse esporte, onde um simples chute pode ser chamado de tiro, míssil, tirambaço, torpedo, paulada, balaço, disparo, petardo, foguete, bomba, canhão ou patada atômica. Sem falar na derrota na prorrogação, apelidada de morte súbita.
Essas coincidências sugerem muitas teses imbecis.
A minha é que as Copas do Mundo são filhas da Primeira Grande Guerra.
Explico melhor: o homem sempre gostou de guerras, e uma guerra planetária, em que todos os países participaram, pareceu ser o mais divertido dos jogos. Porém, em vez de fazerem uma segunda guerra igualzinha à primeira, acabaram decidindo por fazer as batalhas em campos menores, os campos de futebol.
Há também uma explicação estética para isso. Era o apogeu do surrealismo nas artes, e assim, como estávamos num tempo de representações e reinvenções da realidade, fez-se uma guerra mundial simulada.
Dessa forma tivemos as duas primeiras Copas, a de 34 e a de 38. Nelas, as grandes rivalidades nacionais foram satisfeitas, mas dentro de processos psicanalíticos como compensação, identificação e projeção.
A violência foi canalizada para realizar-se num nível imaginário e civilizado.
Em vez de tiros de canhão, faltas; em vez de massacres, goleadas; em vez da linha Maginot, a linha de impedimento.
Mas na estética também há modas. E na década de 40 a moda nas artes passou a ser o realismo. Com isso voltou a idéia de fazer uma guerra sem representações. Ou, vendo de outro ângulo, uma Copa do Mundo sem metáforas. Essa guerra, ou copa, foi chamada de Segunda Guerra Mundial e por causa dessa disputa não tivemos as Copas de 42 e 46.
Porém, na década de 50, com o surgimento do realismo fantástico e outras escolas que privilegiaram uma estética menos realista, voltamos às Copas, onde todos os conflitos históricos, étnicos e de fronteira continuaram sendo confrontados, com a vantagem de não derramar sangue. A não ser o de alguns atacantes.
Afinal, o que foi a Copa de 1950 para o Uruguai senão a grande vitória militar que falta em sua história para ilustrar a independência da Província Cisplatina em relação ao Brasil?
E por que o Brasil x Argentina de 1978 não teve outro nome que não "a batalha de Rosário"?
Falando em argentinos, como ficaria a sua auto-estima sem aquela brilhante vitória sobre a Inglaterra em 1986?
E por quantos atentados terroristas não valeu a vitória do Irã sobre os Estados Unidos dias atrás?
Sendo assim, proponho que mudemos a designação da Copa. Em vez de ser a 16ª Copa do Mundo, sugiro que seja chamada de 18ª Guerra Mundial.
Os politicamente corretos dirão que essa é uma terminologia disseminadora de ódios.
Mas aposto que, no fundo, eles esperam que nossos valentes guerreiros estejam dispostos a dar o sangue pela vitória. Ainda mais agora, quando quem não mata, morre.
Morte aos dinamarqueses!
Trucidas eles, Brasil!

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