São Paulo, terça-feira, 30 de junho de 1998
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O Mundial dos medíocres

CÉSAR LUIS MENOTTI

Depois de uma longa e tediosa fase classificatória, agora que começou o verdadeiro Mundial, tudo segue como previsto. Sem surpresas, mas sem brilhantismo.
A mais destacada e preocupante discussão deste Mundial é aquela estabelecida entre os protagonistas - as equipes que realmente disputam o título- de que não podem atuar juntos dois jogadores imaginativos, criadores. Mas nenhum dos "brilhantes" treinadores tem algo contra a acumulação de jogadores defensivos, cuidadosos, obstrutores. Ninguém se atreve a deixar voar, todos se dedicam a cortar asas.
Assim, se põe em dúvida que nesta seleção da Itália -a mesma que passou por numerosas dificuldades antes de eliminar a Noruega- devam jogar juntos Del Piero e Roberto Baggio. Ninguém pôs em juízo o fato de na mesma equipe atuarem juntos Di Livio, Pessoto, Dino Baggio e Albertini. A França discute se não é demasiado atrevido que joguem juntos Djorkaeff e Zidane. Mas não se discute que na seleção - que por uma fortuna bateu os valentes paraguaios- possam jogar Boghossian e Deschamps.
Na Argentina, ninguém critica que possam jogar juntos Almeyda, Zanetti e Simeone, mas se discute a dupla Gallardo e Ortega.
Até no Brasil temos esse debate: Denílson pode jogar junto a Rivaldo? E todos aceitam que joguem Dunga e César Sampaio.
O músculo não se discute. O talento, sim.
Como se pode observar, cada dia é mais difícil esperar a aparição de um pouco de "loucura", que é tão necessária e indispensável neste esporte. Alguém disse alguma vez que é o "louco" que há dentro de nós que nos leva à aventura, mas que, se nos abandona, estamos perdidos. E esta é a característica dominante deste Mundial, que a cada dia parece ser feito mais para os médios, os medíocres.
Uma seleção como a do Brasil pode realmente jogar bem se resolver optar pelo talento. Não o talento irresponsável que demonstrou a Nigéria. Esta perdeu porque não conseguiu resolver alguns de seus problemas táticos e individuais em sua defesa.
A Europa vive esperando a aparição de um talento. Quando ele surge, seja na Itália, na Alemanha ou na Dinamarca (que vocês brasileiros vão enfrentar nos próximos dias), eles tratam de retrai-lo. Os latinos, não. Por que resolveram retrai-los nos últimos anos?
O que encontramos na seleção argentina hoje senão uma cópia fiel do modelo italiano de futebol: um meio-campo compacto, cheio de jogadores, todos corretos. O que tem permitido as vitórias? Um "louco" solitário chamado Ortega.
No futebol, não é veloz quem chega primeiro, mas aquele que resolve antes.
Isso não se faz com o músculo, mas como o talento.

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