São Paulo, terça-feira, 30 de junho de 1998
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"Hooligans" da mata atlântica

FABIO FELDMANN

A mata atlântica é o mais ameaçado dos biomas brasileiros. O projeto de lei 3.285/92, que dispõe sobre a utilização e a proteção da mata atlântica, está sendo obstruído no Congresso por alguns membros da bancada ruralista. Desde o início da tramitação do projeto, em 1992, até hoje, 600 mil hectares de mata foram desmatados. De 1990 a 1995, apenas o Estado de São Paulo perdeu 67.400 hectares de mata. Esses dados demonstram a urgência de se votar esse projeto.
Neste momento, o que se pede é a votação da matéria no Congresso Nacional, permitindo que os deputados de todos os partidos assumam posição em uma questão que possui uma dimensão absolutamente estratégica para as presentes e futuras gerações.
O que se torna ética e politicamente discutível é a obstrução que se realiza à tramitação normal do projeto que, como já foi dito, encontra-se em ritmo lento, como o da seleção brasileira no jogo contra a Noruega.
De início, há que se dizer que no mundo se preconiza o desenvolvimento de uma agricultura sustentável, na qual a prática das atividades agrícolas é indissociável da conservação dos recursos naturais e da qualidade dos produtos gerados. Quer dizer que práticas insustentáveis, a médio e longo prazo, comprometem a própria "economicidade" da agricultura. Comprometem ainda a integridade dos produtos gerados, importando riscos aos seus consumidores. Assim sendo, a conservação da mata atlântica deverá ser também bandeira dos produtores rurais esclarecidos, uma vez conscientes da sua importância para a continuidade de suas próprias atividades.
O projeto de lei 3.285/92 pretende disciplinar o texto constitucional que, em seu artigo 225, estabelece que os biomas considerados patrimônio nacional devem ser utilizados de modo sustentável. Basta ler o parágrafo quarto: "A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional e sua utilização far-se-á na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais".
Como aceitar, neste momento em que a biodiversidade adquire valor estratégico em termos globais, a defesa de práticas que não impõem critérios de sustentabilidade para a agricultura ou qualquer atividade econômica?
O projeto de lei 3.285/92 sofreu, em seu longo processo de tramitação, significativas modificações no sentido de desburocratização de procedimentos e estímulo ao uso sustentável dos recursos naturais, de modo que obstáculos colocados à época de sua apresentação fossem superados.
Deste modo, as alegações feitas inadvertidamente por míopes defensores da agricultura brasileira não são apenas vazias de conteúdo. Pretendem, isso sim, em última instância, garantir a exploração predatória do meio ambiente e dos recursos naturais, perpetuando o modelo implantado pelos portugueses, que praticamente extinguiram o pau-brasil, do qual resta apenas o nome do país.
Certamente existem limitações intrínsecas à lei que fazem com que a legislação não seja suficiente para garantir a conservação da mata atlântica. Torna-se necessário associar à legislação políticas públicas que estimulem os proprietários rurais a proteger suas porções de mata atlântica. Para tanto, é requerida a formação de alianças inovadoras no campo político, que permitam que ambientalistas e ruralistas atuem conjuntamente na formulação e implementação dessas políticas. O ponto de partida é o reconhecimento da necessidade de se conservar a reduzida parcela de 7,3% de mata atlântica remanescente no país.
Enfim, o que não se pode aceitar é que continuemos agindo como "hooligans" em relação ao meio ambiente.

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