São Paulo, terça-feira, 30 de junho de 1998
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Paradoxo eleitoral

JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO

"O governo não está fazendo nada na área social." A frase é de eleitores do presidente Fernando Henrique Cardoso. E eleitores de 1998. Não se trata de arrependidos que votaram no tucano há quatro anos e que agora estão migrando para outra candidatura. Não. Esses críticos, que compõem grande parte do eleitorado, pretendem reeleger FHC.
Essa aparente contradição dos eleitores levanta questões intrigantes. Quais são as razões do voto em Fernando Henrique, tão fortes que superam a revolta diante da crise social? Tão firmes que suportam o peso da perda do emprego do próprio eleitor?
A julgar pelo que dizem paulistanos ouvidos em pesquisa qualitativa feita pela Folha na semana passada, as respostas são várias: uns têm medo de que Luiz Inácio Lula da Silva seja presidente, outros temem que um novo governo invente uma nova moeda e ponha a estabilidade a perder.
Mas raros são aqueles que põem na balança os pontos positivos e negativos do governo FHC e dizem que o prato dos êxitos pesa mais do que o dos fracassos. Ao contrário.
Ouvindo-se os eleitores apenas sobre temas como desemprego, combate à seca, saúde e educação é difícil separar quem vota em Fernando Henrique de quem vota em Lula. A indignação é a mesma, os dramas pessoais de quem perdeu o emprego ou tem um familiar nessa situação são muito parecidos.
A impressão é que todos estão com água pelas narinas, mas se dividem na reação ao problema. Uns nadam para outra parte (não se sabe se mais funda ou mais rasa), enquanto os demais gritam: "Não faz marola!"
Sob esse aspecto, o fator que mais diferencia os dois grupos de eleitores e que determina seu voto é a imagem que ambos têm de seus candidatos e dos adversários.
De um lado está a rejeição a Lula, calcada em sua origem, nas suas posições identificadas como radicais, no apoio a greves e até no seu jeito de falar, sempre mais crítico.
Para quem vota em FHC, tudo isso é sinônimo de "baderna", "arruaça". Em última análise: risco.
Para seus próprios eleitores, é justamente a origem humilde de Lula e o tom incisivo de seu discurso que despertam admiração e funcionam como uma garantia de que, uma vez eleito, o petista não abandonaria o compromisso declarado com as questões sociais. Há uma identificação entre eleitor e candidato.
No caso de Fernando Henrique, as pesquisas qualitativas mostram que ele é uma projeção da imagem que os eleitores fazem do presidente ideal: culto, inteligente, "representa bem o Brasil lá fora". É como se FHC elevasse a auto-estima de seus eleitores.
Para os que votam em Lula, a imagem que ele projeta é outra: arrogância, falta de pulso, manipulação, conivência com a crise.
A imagem pessoal de FHC e de Lula lhes garante, ao mesmo tempo, um patamar mínimo de votos, abaixo do qual não devem cair, e uma rejeição de parte do eleitorado, que funciona como teto para seu crescimento.
No meio disso estão os eleitores que não têm uma imagem consolidada de nenhum dos dois. É quem vai decidir a eleição.

Texto Anterior: Papéis invertidos
Próximo Texto: VIDAS SECAS; SEM MEMÓRIA
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.