São Paulo, sábado, 11 de julho de 1998
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14 de Julho, Copa e República

VINICIUS TORRES FREIRE

São Paulo - Os franceses fazem muita festa no 14 de Julho, sua data nacional, como é o 7 de Setembro daqui, que não tem muita festa, mas desfiles marciais. Lá eles também fazem paradas, é um ponto alto da comemoração, e os jatos de guerra fazem rasantes sobre Paris, deixando muita gente surda.
Mas o 14 de Julho é uma festa popular de verão. Fazem shows públicos, bailes, como os dos bombeiros, que há por todo o país, não sei por que nos bombeiros, mas há. Bebem muito, vinho e cerveja. Brigam muito também. Francês é briguento, dado a fazer greve e revolução. Fizeram um país assim; fizeram uma República, como gosta de dizer o francês que não aderiu à extrema direita e ao racismo.
O 14 de Julho comemora o início da Revolução Francesa, que inventou na prática e nos símbolos os modernos valores republicanos, expressão que, lá, muita gente leva a sério e que significa liberdade, igualdade e solidariedade ou fraternidade. Fome, dar à luz na sarjeta, racismo, ignorância, desemprego, salário infame, isso afronta os "valores republicanos".
Todo político francês não-fascista vez e outra fala dos "valores republicanos", com a boca cheia. Para quem não está acostumado, parece demagogia. É um pouco também, mas não só.
Existe a direita republicana e a direita fascista. Parte das duas andou se misturando nos últimos tempos, por oportunismo eleitoral. Deu escândalo.
Mas é também um mau sinal. Há desemprego de 12%, o que carreia votos para os neofascistas de Le Pen (uns 15%) e estimula o preconceito contra não-brancos em geral.
Isso no maior país, dentre uma meia dúzia, que ainda teima em proteger direitos sociais contra a igualdade abstrata e a promessa de justiça longínqua e também abstrata do mercado. É a utopia liberal segundo a qual a longo prazo o mercado equilibra tudo e produz mais riqueza, criticada por um grande economista, o inglês Keynes, para quem, a longo prazo, estaremos todos mortos, o que é uma crítica republicana ao mercadismo radical.
Pena que a gente vá torcer para o time de Zagallo aguar o vinho dessa festa republicana de 14 de Julho.

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