São Paulo, segunda-feira, 13 de julho de 1998
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Para argentino, Mercosul demora a aplicar decisões

AUGUSTO GAZIR

"Nós já esperávamos que a etapa atual, de digerir tudo o que decidimos, fosse mais lenta"
de Buenos Aires
O Mercosul tem problemas para colocar em prática tudo o que já foi acertado entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Nos últimos seis meses, o bloco obteve êxitos nos acordos com outros países e avanços lentos.
A opinião é de Jorge Campbell, 47, secretário de Relações Econômicas Internacionais da Argentina. Ele é o terceiro na hierarquia do Ministério das Relações Exteriores e principal negociador do país no Mercosul.
"Apesar das agendas política e econômica dos países, das crises externas, o Mercosul segue cumprindo seus cronogramas. Não quero mostrar com isso uma imagem extremamente otimista. Há temas que me deixam preocupado e temas que me deixam ocupado", disse Campbell à Folha.
No próximo dia 24, a Argentina passa a presidência temporária do bloco para o Brasil, durante a reunião de cúpula em Ushuaia (extremo sul do continente), que contará com a presença do presidente sul-africano, Nelson Mandela.
De acordo com Campbell, não se deve esperar na ocasião resoluções definitivas sobre duas das principais pendências do Mercosul: açúcar (fora do regime comum por pressão de produtores argentinos) e a política automotiva que vai impor regras comuns para os mercados dos quatro países.
"Sobre açúcar, os quatro países se comprometeram a negociar para liberar o comércio do produto até o ano 2000. A data importante do regime automotivo é o primeiro dia do ano 2000, quando ele entra em vigor. Prefiro esperar e não ter um regime inadequado."
Campbell, desde a formação do Mercosul, participa das negociações do bloco. Ele, que não é diplomata de carreira, defende que a integração extrapolou a política e a economia e mudou a maneira de as sociedades se relacionarem.
"Hoje, eu apóio um time do Mercosul no final da Copa do Mundo. Quando iria pensar que o bloco me faria torcer pela seleção brasileira?", disse.
*
Folha - Qual seu balanço do Mercosul no último semestre?
Jorge Campbell - Nessa etapa do Mercosul, não se deve esperar grandes novidades. É um processo lento que está em marcha. Tivemos êxito na agenda externa, nas negociações da Alca (Área de Livre Comércio das Américas). Fizemos acordos com o Pacto Andino, com o Canadá e cada vez mais o Chile está vinculado ao Mercosul. Em Ushuaia, vamos avançar na regulamentação do setor de serviços. A discussão do grande caminho para o aprofundamento do bloco, que é a moeda única, foi debatida em seminário realizado em Buenos Aires, em junho.
Folha- O que pode avançar no setor de serviços?
Campbell - Vamos oferecer os primeiros serviços para começar a negociar a liberalização dos mercados. Há centenas de serviços, famosos como o financeiro e de transporte, e outros menores, como profissionais. Não vamos discutir os grandes agora, mas já faremos algo. Acredito que em dez anos tudo estará liberado.
Folha - Ainda é pertinente realizar reuniões de cúpula de seis em seis meses? Qual sua opinião?
Campbell - Sim, é importante. A União Européia tem 15 presidentes que se encontram a cada semestre. A reunião de cúpula obriga que os ministros e técnicos se juntem, o que torna o trabalho mais ativo e acelera a burocracia. O problema é que sempre há expectativa pelo conflito. Uma das coisas que estamos aprendendo é que teremos conflitos, e isso não vai acabar com o Mercosul.
Folha - Pode haver acordos com a África, devido à presença de Mandela em Ushuaia?
Campbell - Basta olhar no mapa para perceber que nós estamos realizando uma cúpula do Atlântico Sul. A presença de Mandela vai significar um marco político para o início da integração e futuros acordos entre os dois blocos.
Folha - O Mercosul tem problemas para se consolidar?
Campbell - A consolidação é a parte mais chata do processo. É importante que tudo o que foi acordado seja implementado pelos países. Isso é um problema importante do Mercosul. Por que não se implementa? Pela carga de trabalho burocrático. É necessário pressionar a burocracia para que as coisas andem. Outro motivo é quando algum interesse concreto entra em cena. E, por último, vivemos uma etapa da integração em que nos metemos cada vez mais na vida do outro país. Discutimos a necessidade de se mudar uma lei, uma norma. Ninguém gosta disso.
Folha - Cite exemplos concretos?
Campbell - Temos problemas com restrição ao financiamento das exportações brasileiras que afetam nossos lácteos. Reclamamos de subsídios na carne de porco brasileira. Nossos medicamentos encontram dificuldades para entrar no Brasil, apesar de já termos acertado uma norma comum.
Folha - Por isso há uma percepção de que o Mercosul estancou?
Campbell - É natural que o processo de fundação do Mercosul seja mais rápido. Já esperávamos que a etapa atual, de digerir tudo o que decidimos, fosse mais lenta.
Folha - Sobre o moeda única, a Argentina não dá mais atenção a esse tema do que o Brasil?
Campbell - Essa é uma proposta lançada pelo governo argentino, que está sendo discutida nos dois países. Não há consenso, estamos começando o debate. O tema atrai interesse. Quando discutimos uma idéia como essa, num momento de crise na Rússia, crise na Ásia, dizemos ao mundo que estamos aprofundando o Mercosul.
Folha - O que o bloco vai fazer para permitir a participação das empresas, sindicatos e entidades?
Campbell - O Mercosul criou o Fórum Econômico e Social para a participação da sociedade civil. Propusemos isso na Alca e foi recusado. O Mercosul provocou uma explosão de iniciativas entre instituições, governos estaduais. Muitas vezes nem tomamos conhecimento. Isso é bom, porque esse processo deve ser caótico. O caos é criação. Pretender ordenar é que seria uma grande confusão.

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