São Paulo, segunda-feira, 13 de julho de 1998
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Para que servem os bancos?

JOÃO SAYAD

Qualquer aluno de economia sabe. Bancos criam dinheiro -pedaços de papel que podem ser trocados por coisas úteis ou inúteis, modestas ou luxuosas. Os bancos são sócios do governo na possibilidade de criar dinheiro.
Bancos não recebem "poupança" que distribuem entre diferentes "investimentos". De jeito nenhum.
Bancos recebem pedaços de papel que as pessoas ganharam porque trabalharam e vão gastar o dinheiro, mas preferem usar cheque. Ou porque venderam a casa que herdaram do pai que se aposentou há muitos anos e morreu. Ou porque ganharam no jogo do bicho.
A origem do papel pode ser qualquer uma. Por acaso, o papelzinho pintado pode ser decorrente de poupança. Mas isso não muda o resultado.
Bancos e banqueiros parecem conservadores, têm ar austero, escritórios com paredes cobertas de lambri de jacarandá, cabelo com brilhantina.
São o oposto do que aparentam.
Pegam o dinheirinho sagrado de quem vendeu a casa e pedem que eles guardem no cofre e emprestam a outras pessoas. Se você for ao banco pedir o seu dinheiro, não estará lá. Foi emprestado e só será devolvido no futuro -daqui a um, dois ou três meses.
O banqueiro sabe que nem todos vão querer sacar o dinheiro no mesmo momento. Se um saca, outro deposita. Então, pode emprestar. Quando empresta, o banco cria dinheiro.
E tem muito poder -o poder de quem cria dinheiro.
Se os bancos emprestarem dinheiro apenas para quem for investir, ou seja, para quem quer construir imóveis novos, fábricas novas ou novas estradas, a economia acaba investindo. Mesmo sem poupança. A poupança aparece depois. Ninguém consegue comer uma fábrica ou consumir uma estrada. Assim, se o banco emprestar para investir, a poupança será feita.
Se os bancos emprestarem para os clientes comprarem ações, o preço das ações sobe. Para comprar casas novas ou usadas, o preço dos imóveis sobe. Para comprar geladeira, aumenta a produção de geladeiras. Para viajar para o exterior, todo mundo vai à Copa.
Portanto os bancos determinam o que vai ser produzido. É lógico que os preços e a rentabilidade são importantes para a decisão dos bancos. Mas, se os bancos resolverem financiar a compra de ações, por exemplo, o preço dos papéis sobe, e o financiamento se justifica. Se fizerem como os bancos japoneses nos anos 80, que acharam que o negócio era investir em imóveis, o preço dos imóveis sobe. Depois, cai. Mas isso é uma outra história.
Investimento não depende de poupança. Depende de liquidez. E liquidez é determinada pelo governo e pelos bancos. Por isso os bancos são importantes.
No Brasil, os bancos são concessionários de um serviço público, como os operadores de estradas de ferro ou da via Dutra.
Além de determinar os investimentos, os bancos definem quem vai investir, quem pode comprar o futuro.
Se forem conservadores demais, só emprestam dinheiro para quem não precisa. E a distribuição de propriedade do futuro vai ficar muito parecida com a de hoje. Quem já tem, pede dinheiro emprestado, investe e tem mais no futuro. Quem não tem, não consegue tomar dinheiro emprestado, não investe e fica igual no futuro.
Portanto banco é coisa importante do ponto de vista público. E como deve ser o sistema bancário -nacional, estrangeiro ou público?
A resposta é difícil.
A propriedade do sistema bancário não altera a eficácia da política monetária. O Brasil não pode fazer política monetária há muito tempo, não por causa do sistema bancário, mas porque existe mobilidade de dinheiro entre o Brasil e o exterior.
Se o Banco Central aumenta a taxa de juros, não cai a demanda agregada. Entram dólares e aumentam as reservas, como acontece no Brasil desde o ministro Marcílio.
Então, como deve ser a propriedade do sistema bancário?
A melhor regra é o pluralismo.
É bom ter bancos nacionais, que nós conhecemos e nos conhecem. É bom ter bancos estrangeiros, que conhecem o mundo e vieram nos conhecer. É bom ter bancos estaduais e federais que podem emprestar dinheiro levando em conta o interesse público ou políticas econômicas de apoio regional ou setorial.
É importante que governos operem bancos. É importante que tenhamos escolhas entre bancos nacionais e estrangeiros.
Só não é bom ter um sistema bancário homogêneo -todo estrangeiro, integralmente oficial ou integralmente privado.
Não venha com a história segundo a qual, com a globalização, estrangeiro e nacional não fazem diferença. Para quem você torceu ontem?

E-mail: jsayad@ibm.net

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