São Paulo, segunda-feira, 13 de julho de 1998
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O galo em gala

CARLOS HEITOR CONY

Não é caso para dizer que o sonho acabou. Na realidade, o Brasil era apontado como favorito pelos outros, mas não por nós mesmos. Dentro de casa, tínhamos dúvidas a respeito. Começamos mediocremente, perdemos feio para a Noruega -e um axioma não escrito na história dos campeões é de que eles não devem perder.
Tivemos bons momentos contra a Dinamarca e fizemos uma excelente partida contra a Holanda, embora decidida nos pênaltis. Foi o melhor jogo da Copa, não fosse essa final aqui em Saint-Denis, quando tudo deu certo para a França. E merecidamente.
Zidane e Thuram atravessam uma fase suntuosa, melhor do que a dos melhores entre os nossos. O único momento dramático da campanha da França foi contra o Paraguai -no mais, ela se apresentou sem o brilho da Holanda, sem a classe individual dos brasileiros, mas com uma eficiência, um sentido vertical de jogo que a levou não só à final, mas ao triunfo consagrador.
Os entendidos garantiam que a França não apenas preparara a festa com eficiência e responsabilidade, mas tinha uma seleção capaz de se alinhar entre as favoritas de sempre, ou seja, de integrar o sofisticado grupo de campeões, onde o Brasil domina com suas quatro estrelas cravadas em sua camisa de tetracampeão
Para nós, brasileiros, a partida em Saint-Denis foi melancólica. A torcida que manchava de amarelo diversos pontos do estádio e concentrava-se sobretudo atrás de um dos gols, poucas vezes se manifestou. Já nos minutos iniciais sentia-se que a França entrara em campo disposta a ser campeã. Essa vontade, essa decisão, foi letal para nós. Nem chegamos a jogar miseravelmente. Pelo contrário, tivemos alguns momentos que somente valorizaram a vitória do adversário.
Acredito que não é hora de crucificarmos quem quer que seja. Tivemos erros de preparação e de escalação, mas assim mesmo íamos levando. Fomos até o jogo final. Diante de um adversário comum, até que poderíamos ganhar -como ganhamos da Escócia e da Dinamarca
Mas trombamos com a dona da casa, vestida de garra, sedenta de uma glória que os franceses buscam recuperar. Uma opinião pessoal: nenhum time perde quando entra em campo com a vontade de vencer demonstrada pela França desde os primeiros minutos do jogo. Azar de quem está no caminho da eleita, da guerreira que está pronta a devorar quem atravessa o seu caminho e não sabe ler o sinal luminoso que brilha em sua testa.
Quanto a nós, reconhecendo que o galo, símbolo da França, viveu uma noite de gala, resta o consolo de imitarmos um certo general francês, que aliás é nome de rua aqui em Paris. Perdendo uma batalha, vendo suas tropas destroçadas e tendo de iniciar a retirada, ele entrou para a história porque pronunciou uma palavra que ficou associada ao seu próprio nome. Ele simplesmente disse o que resumia tudo: "merde". Não preciso traduzir. Em português é quase a mesma coisa.

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