São Paulo, segunda-feira, 13 de julho de 1998
Próximo Texto | Índice

Mulheres no Irã já mostram o cabelo

ÁNGELES ESPINOZA
DO "EL PAÍS"

Com a chegada ao poder do presidente reformista Mohamad Khatami, as normas que fazem das mulheres iranianas uma subclasse de cidadãs começam a ser, na prática, atenuadas -mas a mudança é de fato tênue.
Depois de Khatami, os aventais foram encurtados, os lenços passaram a ser amarrados com descuido proposital para deixar entrever um pouco de cabelo e o espectro cromático, antes restrito quase exclusivamente ao negro, se ampliou. Há jovens que até ousam passear de sandálias sem meias.
"Há um ano, a polícia chegou a deter dez mulheres em meia hora na zona norte de Teerã (a mais próspera e moderna da capital), por estarem insuficientemente cobertas. Hoje isso já não acontece. Se o fizesse, teria de prender todas", constata, surpreso, um estrangeiro residente na cidade.
O intelectual Esatolá Sajavi chama de "desobediência civil" a atitude das mulheres iranianas com relação à vestimenta islâmica que lhes é imposta pela rígida interpretação religiosa de seus dirigentes.
O Alcorão diz que homens e mulheres devem se vestir com modéstia. O "chador", o véu negro que recobre as mulheres da cabeça aos pés e que já virou estereótipo da imagem das iranianas, é fruto da tradição xiita, o ramo islâmico majoritário no Irã.
Hoje as autoridades já não exigem o chador como única cobertura permissível em público. As mulheres urbanas, profissionais e jovens já adotaram o avental e lenço na cabeça. Mesmo assim, a resistência aumenta.

Mercado de trabalho
As senhoras Mahmudi e Sharifi correm de um lado a outro, com papéis. É dia de trabalho normal no departamento de imprensa estrangeira do Ministério da Cultura e Orientação Islâmica. Aparentemente, a administração não as discrimina de seus colegas homens. Mas há setores vedados a elas. Como é de costume nos países islâmicos, o acesso de mulheres às carreiras jurídicas é limitado. A diplomacia é outro campo ainda dominado pelos homens. Mas existem médicas, professoras, locutoras de rádio, apresentadoras de televisão, atrizes, escriturárias, fotógrafas, jornalistas e até funcionárias da Alfândega.
"É cansativo porque trabalhamos das 8h às 17h e depois temos de fazer o serviço de casa", reclama Mahmudi, que tem a sorte de poder deixar o filho de 2 anos com a mãe enquanto trabalha.
A presença das mulheres iranianas no mundo do trabalho ainda não chega aos níveis da Europa ou dos EUA, mas supera em muito os dos países vizinhos. E deve aumentar.
"O número de mulheres que se formam nas universidades já é igual ao dos homens, e elas até costumam ter notas melhores", diz o deputado conservador Mohamed Yavad Lariyani. O que as mulheres não recebem é ajuda do marido nas tarefas da casa.
Uma manhã de sexta-feira qualquer, no teleférico que sobe o monte Tochal, ao norte de Teerã. Várias famílias e grupos de jovens se preparam para passar um dia ao ar livre. Muitas pessoas, que subiram a montanha de madrugada para evitar o sol, já estão descendo, de botas, meias grossas, viseiras, mochilas e bastões.
Tudo normal, só que as mulheres alpinistas devem, também nesse caso, cobrir-se com um avental. Por baixo de seus gorros sobressaem os lenços com que são obrigadas a cobrir os cabelos.
Uma das conquistas das feministas islâmicas tem sido a de levar o clero a abençoar a prática de esportes, sempre que incluir o respeito pelos valores islâmicos. Os vários centros esportivos construídos depois da revolução islâmica, que incluem piscinas cobertas, estabelecem horários diferentes para homens e mulheres.

Tradução de Clara Allain

Próximo Texto: Salões de beleza não têm janelas para a rua
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.