São Paulo, segunda-feira, 13 de julho de 1998
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Fim de jogo

LUIZ CAVERSAN

Rio de Janeiro - Vestindo a camisa da seleção brasileira de muitas Copas atrás, o homem seguia cabisbaixo. Ia enfrentar a vida, e o peso dessa idéia o deixava vergado.
Meio que arrastando os pés, porque como se sabe a vida é muito pesada, o homem sentia-se saindo de uma névoa em que gols, gritos de torcida, verde e amarelo se confundiam com sentimentos amargos, de derrota.
Não, não a derrota de um time, mas de uma vida.
Durante todo o campeonato ele se tornou outro. A mulher, o filho magro e doente, o último patrão, que o despediu e fechou a loja, as lembranças da cidade em que nasceu lá no Nordeste (seca, muito seca), nada tinha importância ou o incomodava.
Cada vez que pensava nisso, gritava: penta!
Toda vez que lembrava que o dinheiro que estava gastando para ir nos dias de jogo para aquele bar com televisão -onde bebia pinga e comia linguiça e ovo cozido- era o pouco que restava e não mais pagaria suas contas, gritava: pen-ta-cam-pe-ão!
Viveu o sonho de acreditar que, quando tudo acabasse, com o fim da Copa, as coisas teriam mudado como num passe de mágica, com a rapidez de um drible do Ronaldo.
Agora, ia ele ali vazio e meio confuso.
A camisa amarela e verde não prestava para mais nada, nem mesmo para proteger do frio que aumentava com a fome e a dor no fundo da alma.
Pentacampeão, zumbiam seus ouvidos, e ele sentiu vontade de chorar.
Chorou pelo filho magrinho, pela mulher acabada na faxina pesada na casa dos outros, pelos parentes miseráveis do Nordeste, pelo desgraçado que ele voltava a se sentir, depois de tanta festa.
"Torcedor não é profissão, não enche barriga de ninguém", resmungou entre os dentes, enxugando as lágrimas já meio secas e caminhando, mais curvo, mais pesado, para o barraco no alto do morro, onde chegaria já vestido com todos os trapos de sua insignificância.

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