São Paulo, segunda-feira, 13 de julho de 1998
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As regras do jogo

BORIS FAUSTO

Os pontos de vista controversos entre juristas, acerca da necessidade de o presidente da República e de os governadores renunciarem ou não aos mandatos como requisito para disputar a reeleição, deram origem a um debate reproduzido em parte nesta Folha, durante a semana passada.
No campo interpretativo das normas constitucionais, é possível chegar a conclusões divergentes acerca do alcance do parágrafo 5º do artigo 14 da Constituição Federal, com a redação que lhe foi dada pela emenda constitucional nº 16/97. Ocorre que os defensores da tese da necessidade de renúncia aos mandatos entraram com uma representação junto à Procuradoria Geral Eleitoral, encabeçada pelo professor Celso Antônio Bandeira de Mello, solicitando a impugnação das candidaturas do presidente da República e dos governadores, na situação exposta. A partir daí, as coisas mudaram de figura.
A controvérsia passou a ter um conteúdo prático e ficou patente que seu caráter está longe de ser estritamente jurídico. Pelo contrário, trata-se de uma questão acima de tudo política, e como tal deve ser tratada. Está fora de discussão o direito dos postulantes -todos eles, aliás, nomes ilustres do nosso mundo jurídico- de representar à Procuradoria, apesar de o Supremo Tribunal Federal já ter negado liminar, no mês de março, ao examinar idêntica situação. Também não é de se acreditar que queiram utilizar um pedido na esfera judicial como uma espécie de desencargo de consciência. Eles merecem ser levados a sério, decorrendo dessa constatação que esperam, efetivamente, ver reconhecida a inelegibilidade do presidente da República e dos governadores que permaneceram no exercício dos respectivos mandatos.
E aí entra uma breve análise da dimensão política do que pretendem. Restringindo-me ao caso do presidente da República, impedi-lo a esta altura de concorrer às eleições equivaleria a amputar a opção de voto de milhões de brasileiros e, não por acaso, a dar praticamente a vitória ao principal candidato da oposição.
O recurso ao Poder Judiciário, com diretas consequências políticas, lembra antecedentes históricos pouco recomendáveis no sentido de impedir a posse de candidatos eleitos. Para ficar em um exemplo, em 1950 e em 1955, a UDN tentou, sem êxito, impedir a posse dos presidentes Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek, vitoriosos nas urnas, invocando a tese da necessidade de obtenção da maioria absoluta de votos e, no último caso, a nulidade dos votos conferidos pelos comunistas. A manobra só serviu para desgastar ainda mais a UDN junto às classes populares.
É compreensível que, em um ano de eleições, as paixões políticas cresçam e até transbordem. Mas não é possível silenciar sobre o sentido de iniciativas oriundas de cidadãos da maior responsabilidade que, caso viessem a ter êxito, redundariam em graves danos a um dos postulados básicos da democracia -a livre competição dos candidatos, em busca do voto popular.
Que tal tratar de seguir as regras do jogo, com os olhos postos no veredito das urnas, sejam quais forem nossas preferências pessoais?

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