São Paulo, segunda-feira, 13 de julho de 1998
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Nós evitamos o pior

RENATO DE OLIVEIRA

A greve que termina agora comporta duas avaliações: primeiro, se valeu a pena; segundo, se foi vitoriosa.
A primeira tem uma resposta francamente positiva. O grau de mobilização atingido pelos professores e pela comunidade universitária mostrou que a universidade pública está longe de entregar os pontos, como parecia apostar o MEC no momento em que anunciou o Programa de Incentivo à Docência, com o qual pretendia substituir salários por um sistema de bolsas rotativas que não atingiriam mais de um terço do total de professores. Além disso, a repercussão que obteve junto à opinião pública, a ponto de ser co-responsável pela queda de popularidade deste governo, mostrou que não estamos isolados da sociedade. Esta, cada vez mais consciente de suas necessidades, identifica na universidade pública um direito seu, que não se mede pura e simplesmente pela oportunidade de cada um frequentar seus cursos regulares.
A contribuição da universidade constitui algo bem mais complexo, que a sociedade demonstrou perceber e defendeu por meio de inúmeras manifestações de apoio, e uma sociedade que se mobiliza em defesa do seu sistema universitário público é uma sociedade que aposta em si mesma. Em suma, esta greve valeu a pena.
A resposta à segunda questão é mais complexa. Em síntese, os resultados da greve foram os seguintes: a partir deste mês teremos um conjunto de gratificações salariais de valores muito baixos, variáveis segundo a titulação e o regime de trabalho dos docentes, mas isonômicas entre aposentados e ativos; num prazo ainda não definido, mas certamente não inferior a três meses, seremos submetidos a um sistema de avaliação de desempenho docente que se pretende permanente e sobre cujos resultados incidirão gratificações com valores entre zero a pouco mais de R$ 500/mês, segundo os resultados individuais da avaliação. Os aposentados ficarão excluídos dessas gratificações. Eles não serão avaliados. Os docentes de primeiro e segundo graus ligados às Ifes estão excluídos desse sistema -estavam incluídos num segundo projeto que seria apresentado pelo deputado José Jorge, relator da matéria, que no entanto não o apresentou por razões que não ficaram claras, dependendo, agora, do cumprimento de um compromisso ministerial de revisão de seu plano de carreira em 120 dias e da adoção, durante esse prazo, de um sistema de bolsas emergenciais. Finalmente a redação do projeto aprovado, além do título, Gratificação de Estímulo à Docência, confunde um dos critérios básicos definidos pelo movimento docente para a aceitação de qualquer proposta, qual seja, a não vinculação do reajuste salarial a qualquer sistema de avaliação de produtividade individual. As gratificações que serão concedidas imediatamente e de forma irreversível corresponderão a 60% do teto das gratificações que poderão ser obtidas por meio da avaliação. Entendemos que essa confusão vai se desfazer com o tempo, permanecendo no entanto o que é inegável: os valores concedidos foram muito baixos, e mesmo a promessa de serem majorados em 10% após as eleições não muda grande coisa.
Mas o que também é inegável, do nosso ponto de vista, é que evitamos o pior, que seria terminarmos uma greve de mais de três meses sem absolutamente nada. Essa hipótese significaria aumentar o ritmo de evasão de professores, principalmente dos mais qualificados, além de uma desmoralização e perda de auto-estima que nos enfraqueceria definitivamente face às iniciativas pouco louváveis deste governo em matéria de ensino superior público. Desse ponto de vista, o fato de termos obtido um prazo para a negociação dos critérios do sistema de avaliação docente certamente não é desprezível.

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