São Paulo, segunda-feira, 13 de julho de 1998
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Lições da greve

JOÃO BATISTA OLIVEIRA

Greve boa é a que nunca precisa começar. Das que começam, as melhores são aquelas em que todos ganham.
Esta greve que ora acaba pode ser uma delas, se soubermos tirar as lições corretas. O balanço dos resultados é otimista.
Primeiro, há muitas forças vivas dentro das universidades federais prontas para sua autonomia e tocar a bola para a frente, fora da tutela governamental. A greve permitiu que inúmeros professores e reitores viessem a público para dizer "presente". Acabou a era da "unanimidade burra". A maioria silenciosa começa a perder o medo do sindicalismo. Mas ainda há muita gente zangada e rancorosa, e muito receio da meritocracia.
Segundo: a universidade esgotou a sua quota de greve. A sociedade parou de achar graça nisso. Os alunos, a elite do país, já entenderam que diploma agora só vale se acompanhado de competência, e que tempo perdido é irrecuperável. Outra greve será um tiro no pé.
Terceiro: mais uma vez, os políticos não surpreenderam. Como sempre, ajudaram a reabrir as conversações. E, como sempre, procuraram acomodar as coisas. Quase emascularam o projeto. Eles também confundem o rigoroso conceito weberiano da arte do possível com o prazer de ceder. Uma das poucas exceções: o deputado federal Paulo Bornhausen, em artigo na Folha, que apitou o início do segundo tempo e chamou o governo para retomar a discussão do projeto de autonomia das universidades.
E o MEC, aprendeu a lição? No fundo, a greve decorre da falta de uma política para o ensino superior e uma política para as federais. O MEC não reparou que o Muro de Berlim caiu, e continua a praticar a política gorbatchoviana de tentar salvar o que já acabou. Suas propostas e ações foram tímidas, e os avanços que proporcionaram, muito aquém do que o país precisa. Tutela as instituições privadas como se fosse a Funai e trata as públicas como se fosse a Polícia Federal. Continua refém da velha estratégia na qual as universidades federais cuidam de política enquanto o MEC cuida da sua microgestão. O próprio plano de pagamento diferenciado de professores, que desencadeou toda a polêmica subjacente à greve, reflete essa postura.
Greves são momentos de ruptura e crise. Podem servir como poderosos instrumentos para realocar prioridades, tempo e atenção. Esta greve frutificará se o governo resolver fazer o seu "para casa" na área do ensino superior. A agenda é extensa, mas é possível delinear os tópicos mais importantes e urgentes para um início de conversa.
O ministro Paulo Renato é mais do que preparado e competente para liderar o processo, mas falta ao governo vontade política de tratar o assunto da forma como merece.
Já sabemos o que deve ser evitado: restringir os problemas às mazelas das federais e aos mesmos interlocutores de sempre. Se assim for, continua o jogo de soma zero.
Temas para debate: "Qual o problema? Quais os entraves? O que deu certo? O que deu errado? Quais as soluções? Qual o papel do governo? Que tipo de instituição? Que tipo de regulação? Qual papa promulgou o dogma da 'indissociabilidade ensino/pesquisa/extensão'? Por que atrelar autonomia ao carimbo de universidade? 'Cui bono', ou seja, quem ganha com isso? Como financiar instituições? Quem deve pagar e quem deve receber bolsa?"
Ainda na preliminar, compete ao governo assegurar o que todos já sabemos, ou seja, que ele não vai desamparar as instituições públicas -quaisquer que sejam as respostas às perguntas acima. Os inativos atuais e futuros das federais devem receber o mesmo tratamento dos inativos do setor público, sem discriminação. Isso desarma os espíritos e facilita o debate.
E compete também ao MEC trazer os dados, de maneira objetiva, honesta e transparente, ao conhecimento de todos. Os resultados do provão devem ser apresentados de forma profissional, competente e honesta, enfatizando o valor agregado pelas instituições públicas e privadas, sem iludir a população a respeito do que significa uma nota A ou B. Os orçamentos de ensino, pesquisa e dos hospitais devem ser separados e explicitados, para organizar a discussão. Os orçamentos de ensino devem ser calculados com base em critérios per capita por aluno e por graduado. E comparados com os recursos destinados a outros níveis de ensino -no primeiro grau, nossos representantes dizem que podem destinar R$ 315 por aluno/ano, no terceiro, certamente esse número será 30 vezes maior. Tudo bem, é um início de conversa, quem sabe no caminho o país toma jeito!
Não existe greve boa. Mas uma greve que servir para abrir uma real e ampla discussão sobre o ensino superior no país terá prestado um grande serviço.

João Batista Araújo e Oliveira, 51, consultor, é doutor em educação pela Flórida State University (EUA). Foi secretário-executivo do Ministério da Educação.

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