|
Próximo Texto | Índice
27ª MOSTRA INTERNACIONAL DE CINEMA DE SP
Os diretores Tsai Ming-liang ("A Passarela se Foi") e Lee Kang-sheng ("O Desaparecido") estão na semana com destaques do evento
"Lentidão" taiwanesa move repescagem
BRUNO YUTAKA SAITO
DA REDAÇÃO
O mal-estar tem diferentes causas. E, no cinema de Taiwan, ele se
expressa através de um silêncio
angustiante. Ou por uma gritaria
que ninguém ouve. Nesse duelo,
dois diretores apontam para as
assombrações que permeiam as
relações humanas, num jogo de
exorcismo e tortura.
Criador e criatura, Tsai Ming-liang, 46, e Lee Kang-sheng, 34,
têm seus "A Passarela se Foi"
(curta) e "O Desaparecido" (longa), respectivamente, exibidos
hoje e terça no Cinearte, na semana de repescagem da Mostra.
Nos dois filmes -e em toda a
obra de Ming-liang-, vê-se um
mundo povoado por pessoas solitárias, incômodo justamente por
ser tão real. Memória, nostalgia,
busca por afeto e incomunicabilidade são moedas correntes.
"Solidão não é apenas estar sozinho. É ter que se acostumar,
aprender, conviver com você
mesmo. Meu interesse é tentar
chegar ao fundo de uma pessoa e
achar a sua sensibilidade e seus
medos. No isolamento, você tem
mais certeza sobre o que quer da
vida", diz o diretor.
Em "A Passarela", uma mulher
anda a esmo entre a multidão do
centro de Taiwan. Quando decide
seguir outra mulher, atravessa a
rua fora da faixa de pedestres.
Ambas são interceptadas por um
policial, que pede suas identidades, entre gritos inúteis de protesto. Em paralelo, uma história com
Lee Kang-sheng, que se desnuda
literalmente para um teste.
Kang-sheng faz sua estréia como diretor no longa "O Desaparecido", após atuar em todos os filmes de Tsai Ming-liang. A lição
foi assimilada.
São duas histórias de perdas:
uma avó que perde o neto em um
parque e sai à sua busca e um adolescente que tenta encontrar seu
avô. Nesse cenário, as ruas de Taiwan são tomadas por um vírus.
"Há pessoas e situações de que
você sente falta apenas quando as
perde. Hoje, as pessoas estão em
conflito. Ou você quer ficar junto
de alguém ou separado. Não há
meio-termo", diz Ming-liang.
Busca pela lentidão
O "mestre" diz que encontrou
Lee Kang-sheng quando procurava um típico "bad boy" para integrar o elenco de um filme para a
TV, em 88. Após dezenas de testes, infrutíferos, Ming-liang saiu
às ruas e encontrou o seu modelo
de rebeldia em um fliperama.
Além da temática sufocante, a
atmosfera e os planos dos diretores podem facilmente exasperar o
espectador habituado ao cinemão
comercial americano. Para Ming-liang e Kang-sheng, a pressa é algo desconhecido.
Ming-liang diz que, na verdade,
Kang-sheng foi o verdadeiro professor. "Ele tem um ritmo muito
esquisito. Fala e anda devagar. No
começo, fiquei confuso porque
no esquema do cinema um ator
precisa ser rápido. Mas, dessa maneira, ele acabou me ensinando o
que realmente é interpretar", diz.
"Em "O Desaparecido", Lee interpreta ele mesmo."
"Adeus, Dragon Inn", filme
mais recente de Ming-liang, que
passou na Mostra e estréia no ano
que vem no Brasil, eleva à enésima potência a lógica da lentidão.
Fantasmas, "reais" ou metafóricos, perambulam em um cinema
decadente de Taiwan, prestes a fechar. "Todos são como fantasmas. Ao mesmo tempo em que
você está nesse mundo, pode não
estar no momento seguinte." Assombração bem-vinda, diga-se.
Próximo Texto: Teatro: "Bernarda Alba" desponta à luz de vela Índice
|