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São Paulo, sábado, 01 de novembro de 2003

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TEATRO

Dionisio Neto dirige seu primeiro clássico, uma peça do autor espanhol Federico García Lorca, na Casa do Eletricista

"Bernarda Alba" desponta à luz de vela

VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

"Cansei de falar da falta de comunicação", afirma o maranhense Dionisio Neto, 31.
O ator, diretor e dramaturgo atravessou os últimos sete anos mergulhado na linguagem multimídia, fragmentária e performática de espetáculos como "Perpétua" (1996), "Opus Profundum" (1997) e "Antiga" (2001).
Agora, ele cai nas graças de Federico García Lorca (1898-1936), o primeiro clássico que dirige, entre paredes de uma tragédia familiar que o poeta e dramaturgo espanhol escreveu no último ano de vida, em plena Guerra Civil.
Neto vai a uma vila camponesa do início do século 20 para identificar a corrente de comunicação que envolve uma viúva e suas cinco filhas: "A Casa de Bernarda Alba". "São mulheres que vivem uma a vida da outra", diz Neto, sobre as moças enclausuradas pela mão-de-ferro de Bernarda Alba (interpretada pela atriz Antônia Tancredi, 61, em sua estréia profissional), entre criadas e a avó.
Alba impõe luto de oito anos após a morte do patriarca, submetendo-as a pão, uva e bordado, para dizer o mínimo.
Uma das filhas, Augusta (Augusta Ruiz), a mais velha, é noiva de Pepe Romano. Esse homem do qual se fala muito, corpo ausente, mobilizará desejos reprimidos em Martírio (Martha Nowill) e Adela (Giovana Velasco), a caçula. A ortodoxia de Alba perpetuará o desfecho trágico.
Neto associa onipresença e tirania da matriarca à era de Bush filho, presidente dos EUA, cuja política belicosa, diz, desencadeou onda internacional mais conservadora pós-11 de Setembro.
Sua Alba não esconderá sensualidade ou fragilidade demasiado humana numa cena de banho, única subversão ao clássico -ao qual Neto pretende ser fiel.
A encenação de "Bernarda Alba" tem início no jardim, na recepção do espectador ao "velório", e adentra a Casa do Eletricista, ao lado da Casa das Caldeiras, ambas construções antigas da família Matarazzo, num terreno da Água Branca (zona oeste).
Para quem já fez uso de projeções em vídeo e música eletrônica, por vezes ao vivo (vide o conjunto Unidade Móvel na ópera-festa-manifesto-show "Opus Profundum"), o Dionisio Neto da vez surge em "versão acústica", como ele diz.
O "acústico" denotado pelo canto coral das atrizes em várias passagens; a percussão ao vivo, realizada pelas próprias; a iluminação à vela nos cômodos do casarão (ironia para a Casa do Eletricista) e a proximidade com o público, 30 pessoas por sessão.
Daí o tom intimista pretendido, interpretação naturalista, à moda do teórico russo Stanislavski (1863-1938), busca de um "teatro em estado bruto", diz Neto.
Ele vê as cenas como quadros em preto-e-branco. Era assim que Lorca concebia a peça, um "documento fotográfico".


A CASA DE BERNARDA ALBA - texto: Frederico García Lorca. Direção: Dionisio Neto. Tradução: cia. Satélite. Com: Isabel de Sá, Jeyne Stakflett, Maria Manoela, Odara Carvalho, Raquel Marinho, Laudo Olavo. Direção de arte: Marcos Nasci. Onde: Casa do Eletricista (av. Francisco Matarazzo, 2.000, Água Branca, tel. 3873-6696). Quando: estréia hoje; sex. e sáb., às 21h; dom., às 18h e 20h30. Capacidade: 30 lugares. Quanto: R$ 20. Até 21/12.










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