São Paulo, terça-feira, 02 de maio de 2000


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ARTES PLÁSTICAS MOSTRA DO REDESCOBRIMENTO
A grande arte de Bia Lessa

BETTY MILAN
especial para a Folha

Você entra sem saber onde está entrando. De repente, está no meio de várias estátuas. Ouve um canto estranho que é uma lamúria, que enreda, como na Odisséia, a voz da sereia.
Queira ou não você está longe, desembarcou no país encantado do barroco brasileiro.
Graças à varinha mágica de um artista incomensurável. Uma baixinha imensa, Bia Lessa, que subverteu o conceito de museu.
A partir da Mostra do Redescobrimento, em exibição no parque Ibirapuera, o museu -sob pena de parecer arcaico- não pode mais ser o lugar onde o público vai olhar a obra de arte, considerá-la friamente.
Tornou-se o lugar onde o público vai para ser olhado pela obra, ser por ela capturado ou com ela dialogar. Num caso e no outro, ele sai da trilha onde estava e se deixa surpreender.
Bia Lessa fez com a escultura o que Manet havia feito com a pintura no seu "Déjeuner sur I'Herbe".
A mulher nua do quadro do artista olha o espectador e faz dele presa sua, é tão sujeito quanto objeto do olhar. Manet pintou-a sentada na grama ao lado de dois homens vestidos de terno e não, como era de esperar, sozinha no quarto.
Bia Lessa, como o pintor, tirou a escultura barroca do lugar onde ela habitualmente estava e a fez ressurgir entre outras, brotar de um canteiro roxo ou amarelo, um canteiro da cor do ipê.
Com isso, deu à escultura a teatralidade que ela tinha e o museu abafava. Deu-lhe vida...

Encanto
E fez mais, não pôs Aleijadinho num lugar de destaque. Porque neste lugar ela pôs o barroco inteiro, pôs a arte do Brasil que precisou dos 500 anos para mostrar claramente a sua universalidade. Bia teve a coragem de romper com a tradição para revelar o passado.
Daqui por diante a referência de todo museu efetivamente moderno será o teatro, e o Brasil será um país de ponta para os museólogos do mundo inteiro.
Só para ter produzido esta subversão o investimento na mostra da Bienal já se justifica.
Só para que a geração futura já não tenha que ir forçada ao museu, para que ela possa se encantar com a arte, amar o artista pela sua ousadia.
Ou pela sua humanidade, ao descobrir como eu que as flores amarelas e as roxas da exposição foram feitas pelos presos do Carandiru.


Betty Milan é escritora e psicanalista, autora de "O Papagaio e o Doutor" (Record), entre outros



Evento: Mostra do Redescobrimento
Quando: de terça-feira a sexta-feira, das 14h às 22h; sábado e domingo, das 9h às 22h
Onde: parque Ibirapuera (av. Pedro Álvares Cabral, s/nº, tel. 574-0884)
Quanto: de R$ 7 a R$ 15


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