|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Crítica/teatro
Elenco salva montagem "careta" de "Volta ao Lar"
SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
As peças de Harold Pinter são como pedras lisas molhadas: de uma
traiçoeira simplicidade. Seus
diálogos não têm subtexto e
suas tramas trincham cenas banais do cotidiano até elas parecerem inverossímeis.
Em "Volta Ao Lar", um homem volta à sua família decadente para apresentar sua esposa. Depois de anos de ausência, já não se identifica com a
vulgaridade de suas origens:
um pai brutal, um irmão amargo e invejoso, e o mais novo, boxeador, quase limítrofe. Um tio
motorista poderia trazer alguma delicadeza, mas também está imerso em mediocridade.
Quando o filho pródigo, ressabiado, mas orgulhoso, apresenta sua mulher, seu grande prêmio por ter se tornado um professor universitário, ela é tratada como prostituta e corresponde ao papel atribuído.
Simples assim. Não é trazido
nenhum segredo do passado
para justificar essa reação e, se
Pinter flerta com algumas reviravoltas de melodrama, isso é
tratado em chave paródica,
com humor inglês: ninguém
perde a fleuma e segue a mesquinharia do cotidiano.
Desta forma, muito está nas
costas da montagem: o texto
pode ser transformado em um
pesadelo kafkaniano ou em
uma piada ao estilo do Monty
Python. Alexandre Reinecke
opta pela quase sitcom (que se
desvencilha da responsabilidade de cavar mais fundo) e se sai
com a habilidade de sempre.
Aproveita, por exemplo, as
particularidades do espaço cênico do Tucarena para concretizar as referências do texto aos
"quartos de cima", sem se preocupar com nenhuma leitura
simbólica -não faz pose de diretor intelectual.
Seu grande trunfo é a escalação do elenco. Antônio Petrin
tem a energia e o carisma necessários para o pai: é feroz como um javali, mas um javali que
cozinha para a família e com
quem ela tem que jantar todas
as noites. Eucyr de Sousa, o irmão do meio, faz um contraponto eficaz, com uma concentrada insolência que o livra de
ficar na sombra do pai. De seu
lado, Jorge Cerruti tem quilometragem teatral e presença
cênica à altura de Petrin, indispensável para tornar interessante seu Tio Sam. Gustavo
Haddad, o caçula atleta Joey, tira partido de seu tipo físico com
inteligência, para fugir da competição de egos fortes.
Renato Modesto chega, assim, em uma cena bem aquecida, e pode fazer uma interpretação mais interiorizada, quase
frágil: atirado às feras, erra apenas quando procura fugir ao
patético com um reiterado gesto psicológico grandiloqüente e
injustificado. Ester Laccava faz
Ruth, a esposa imprevisível,
chave do estranhamento. Há
dois grandes modos de construir o personagem: ou como a
dama que se deixa encanalhar
por impulso irresistível, o que
faz a peça ser mais perturbadora, ou como uma puta que não
se esforça em colaborar com a
farsa do irmão que volta. Aqui, a
clara opção é pela vulgaridade,
o que deixa Laccava à vontade e
faz com que seu desempenho
seja eficiente, sem desafiá-la.
É o caso geral, no fundo, das
interpretações da montagem:
conhecedores de Pinter irão
sentir a falta de um tempo mais
lento, com suas características
pausas ao mesmo tempo sufocantes e hilárias. Muitas vezes,
há a impressão de texto recitado, além de descuido com a tradução (temos direito a um "me
dá uma fumaça" logo nos primeiros minutos) e uma trilha
sonora aleatória.
Com esse texto e esse elenco,
Reinecke poderia fazer melhor,
talvez. Faz o suficiente. Não cabe à crítica exigir que se arrisque mais aquele que tem tanta
habilidade nas fórmulas garantidas do teatro comercial.
VOLTA AO LAR
Quando: qui., às 20h; sex. e sáb., às
21h; dom., às 19h; até 1º/4
Onde: Tucarena (r. Monte Alegre,
1.024, Perdizes, tel. 3670-8455)
Quanto: de R$ 10 (qui.) a R$ 40
Texto Anterior: Coreógrafo desmonta e recria bumba-meu-boi Próximo Texto: Ney encontra a nova cena paulistana Índice
|