São Paulo, sábado, 03 de abril de 2004

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Tá tudo dominado

Hip Hop cresce no planeta, chega à praia, invade o cinema, dialoga com o pop e muda a música eletrônica

THIAGO NEY
DA REDAÇÃO

LÚCIO RIBEIRO
COLUNISTA DA FOLHA

O hip hop está morto. Viva o hip hop.
A conclusão é inconclusiva, mas há os que defendem que o hip hop passou desta para melhor, aos 30 anos, no ano passado. O canto-falado do cisne foi dado quando a dupla de rap Outkast lançou um disco contendo o superhit "Hey Ya", a espetacular música mais tocada e cantada no planeta mesmo antes de o CD "Speakerboxxx/ The Love Below" ter chegado às lojas, em setembro.
No estilo, "Hey Ya" é tudo. E até hip hop. O rapper Andre 3000 virou figura conhecida para cantores eruditos como Lou Reed e para criancinhas fãs do desenho "Peanuts". Aqui no Brasil, tocou sem parar desde em bailes de black music (normal) até no programa "Big Brother Brasil" (hoje em dia normal também).
O certo é que o fenômeno hip hop, que é estudado desde que o DJ americano Kool Herc criou em 1973 músicas novas ao "quebrar" nos pick-ups duas canções de funk e R&B, fazendo delas uma só, deixou de ser analisado pela ótica do "o hip hop não tem medo de ninguém" para virar a pergunta "quem tem medo do hip hop?".
A resposta é fácil: ninguém. Duas das principais manifestações jovens musicais, o pop-rock e a música eletrônica, não só não têm medo como hoje abraçam forte o rap. E caminham juntos.
Faz tempo que o hip hop saiu dos guetos musicais e deixou de ser apenas música agressiva e exclusivista para ser música popular, de novela, também para ricos e participar até como braço forte de transformações de vanguarda dentro da música eletrônica. O hip hop virou hip pop.
"O hip hop virar mainstream é uma coisa democrática, que tem o lado bom e o ruim. Hoje está aberto a todos e gera um monte de empregos, mas tem surgido também os mal-intencionados, que só olham o lado comercial. E tudo que cresce demais perde o controle. A música negra é uma árvore com muitos galhos. Uns apodrecem, outros dão bons frutos", disse o DJ KL Jay, do impressionante Racionais MC's, mais famoso grupo de rap do Brasil.
Se há pouco tempo ouvir hip hop e fechar os olhos era imaginar clipes caríssimos, cheios de mulheres, batidas fortes, letras de apelo cotidiano, calças largas e acessórios de ouro, hoje em dia você pode abrir esses mesmos olhos e ver Sandy & Junior e Britney Spears botando rap em seus últimos CDs. Ou o rapper Marcelo D2 lotando o megaespaço de classe média alta Credicard Hall, em SP, e tocando na loja Daslu.
Em 2003, Eminem se tornou o primeiro rapper a ganhar um Oscar, o prêmio da Academia de cinema. Neste ano, no último Grammy, uma das mais comentadas performances foi a do grupo de rap Black Eyed Peas com o ultrapop Justin Timberlake.
"Encontramos o Justin num clube. Taboo [integrante do BEP] estava numa roda de B-boys, dançando, e aí o guarda-costas do Justin apareceu e perguntou se ele poderia dançar no meio. Estávamos ali com um popstar dançando no meio de uma roda de rap. Convidamos para gravar uma música e ele topou", disse à Folha a cantora Fergie, do BEP.
"O hip hop está se misturando" é a frase da hora. E esse crossover, que começou em 1986 quando Aerosmith botou rock pesado nas batidas do lendário Run DMC em "Walk This Way", agora atinge proporções absurdas.
O hip hop impregna a house, de gente como Basement Jaxx e Audio Bullys, considerados os nomes a serem seguidos na nova fase da eletrônica. Produtores badalados como a dupla de rap Neptunes inventam o projeto de rock N*E*R*D e lançam o CD "Fly or Die", com jeitão de disco do ano.
Em São Paulo, redutos de festas de rock (como a Funhouse) e eletrônico (como o importante Lov.e) abriram já há algum tempo suas portas para abrigar noites de hip hop e black music em geral.

Na praia
No começo do ano, amparado pelo dinheiro da cervejaria Skol, o hip hop ganhou o Manifesta, megafestival no Rio e em Florianópolis, cidade de nenhuma tradição no rap. O Manifesta botou no palco artistas nacionais e astros como Snoopy Dogg. O mercado publicitário mostrou que tem olhos grandes para o hip hop.
Também em janeiro, o hip hop, antes exclusivamente "urbano", chegou ao mar. No Rio Grande do Sul, outro lugar sem muita tradição no movimento, 25 grupos de rap armaram um festival na praia de Cassino, que foi vendido como o primeiro evento do rap brasileiro numa praia.
No mesmo mês, nos eventos de comemoração dos 450 anos de São Paulo, a cultura hip hop bateu na porta da MPB. Na escalação da superfesta do vale do Anhangabaú, ao lado de artistas como Rita Lee, Titãs e Maria Rita, foi incluído o nome do rapper Xis.
Conta o bastidor que, nas reuniões de preparação entre a prefeitura, patrocinadores e a Rede Globo, a presença do rapper chegou a ser questionada. Mas a justificativa de que Xis era capaz de levar mais público que os outros três convidados juntos encerrou a questão. E Xis tocou.
Lá (EUA) como cá (Brasil), a intrusão do hip hop em outras culturas já passa a ganhar maior tolerância. Não há outro jeito.
"Um monte de coisas que não eram aceitáveis antigamente o são hoje. Não gosto muito dessa mistura, mas respeito. A essência continua lá. Há os artistas que mantêm a raiz underground e há aqueles que fazem canções com Justin Timberlake. Há opções para todos", opinou à Folha o rapper B-Real, voz do Cypress Hill.
A frase é sintomática, vinda de um integrante de um grupo de gangsta rap, o lado radical-violento do hip hop.
Outros nomes outrora gangsta, como o badalado Jay-Z e o fanfarresco P. Diddy andam trocando os medalhões de ouro e as camisetas de times de basquete por ternos caríssimos, para mudar suas imagens. Foi objeto de reportagem do jornal "New York Times".
A "invasão" do hip hop vai tomando forma. A agência Smartbiz, antes exclusiva de DJs de eletrônica, hoje tem em seu cast também KL Jay e DJ Hum.


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