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Tá tudo dominado
Hip Hop cresce no planeta, chega à praia, invade o cinema, dialoga com o pop e muda a música eletrônica
THIAGO NEY
DA REDAÇÃO
LÚCIO RIBEIRO
COLUNISTA DA FOLHA
O hip hop está morto. Viva o hip
hop.
A conclusão é inconclusiva, mas
há os que defendem que o hip hop
passou desta para melhor, aos 30
anos, no ano passado. O canto-falado do cisne foi dado quando a
dupla de rap Outkast lançou um
disco contendo o superhit "Hey
Ya", a espetacular música mais tocada e cantada no planeta mesmo
antes de o CD "Speakerboxxx/
The Love Below" ter chegado às
lojas, em setembro.
No estilo, "Hey Ya" é tudo. E até
hip hop. O rapper Andre 3000 virou figura conhecida para cantores eruditos como Lou Reed e para criancinhas fãs do desenho
"Peanuts". Aqui no Brasil, tocou
sem parar desde em bailes de
black music (normal) até no programa "Big Brother Brasil" (hoje
em dia normal também).
O certo é que o fenômeno hip
hop, que é estudado desde que o
DJ americano Kool Herc criou em
1973 músicas novas ao "quebrar"
nos pick-ups duas canções de
funk e R&B, fazendo delas uma
só, deixou de ser analisado pela
ótica do "o hip hop não tem medo
de ninguém" para virar a pergunta "quem tem medo do hip hop?".
A resposta é fácil: ninguém.
Duas das principais manifestações jovens musicais, o pop-rock
e a música eletrônica, não só não
têm medo como hoje abraçam
forte o rap. E caminham juntos.
Faz tempo que o hip hop saiu
dos guetos musicais e deixou de
ser apenas música agressiva e exclusivista para ser música popular, de novela, também para ricos
e participar até como braço forte
de transformações de vanguarda
dentro da música eletrônica. O
hip hop virou hip pop.
"O hip hop virar mainstream é
uma coisa democrática, que tem o
lado bom e o ruim. Hoje está
aberto a todos e gera um monte
de empregos, mas tem surgido
também os mal-intencionados,
que só olham o lado comercial. E
tudo que cresce demais perde o
controle. A música negra é uma
árvore com muitos galhos. Uns
apodrecem, outros dão bons frutos", disse o DJ KL Jay, do impressionante Racionais MC's, mais famoso grupo de rap do Brasil.
Se há pouco tempo ouvir hip
hop e fechar os olhos era imaginar
clipes caríssimos, cheios de mulheres, batidas fortes, letras de
apelo cotidiano, calças largas e
acessórios de ouro, hoje em dia
você pode abrir esses mesmos
olhos e ver Sandy & Junior e Britney Spears botando rap em seus
últimos CDs. Ou o rapper Marcelo D2 lotando o megaespaço de
classe média alta Credicard Hall,
em SP, e tocando na loja Daslu.
Em 2003, Eminem se tornou o
primeiro rapper a ganhar um Oscar, o prêmio da Academia de cinema. Neste ano, no último
Grammy, uma das mais comentadas performances foi a do grupo
de rap Black Eyed Peas com o ultrapop Justin Timberlake.
"Encontramos o Justin num
clube. Taboo [integrante do BEP]
estava numa roda de B-boys, dançando, e aí o guarda-costas do
Justin apareceu e perguntou se ele
poderia dançar no meio. Estávamos ali com um popstar dançando no meio de uma roda de rap.
Convidamos para gravar uma
música e ele topou", disse à Folha
a cantora Fergie, do BEP.
"O hip hop está se misturando"
é a frase da hora. E esse crossover,
que começou em 1986 quando
Aerosmith botou rock pesado nas
batidas do lendário Run DMC em
"Walk This Way", agora atinge
proporções absurdas.
O hip hop impregna a house, de
gente como Basement Jaxx e Audio Bullys, considerados os nomes a serem seguidos na nova fase da eletrônica. Produtores badalados como a dupla de rap Neptunes inventam o projeto de rock
N*E*R*D e lançam o CD "Fly or
Die", com jeitão de disco do ano.
Em São Paulo, redutos de festas
de rock (como a Funhouse) e eletrônico (como o importante Lov.e) abriram já há algum tempo
suas portas para abrigar noites de
hip hop e black music em geral.
Na praia
No começo do ano, amparado
pelo dinheiro da cervejaria Skol, o
hip hop ganhou o Manifesta, megafestival no Rio e em Florianópolis, cidade de nenhuma tradição no rap. O Manifesta botou no
palco artistas nacionais e astros
como Snoopy Dogg. O mercado
publicitário mostrou que tem
olhos grandes para o hip hop.
Também em janeiro, o hip hop,
antes exclusivamente "urbano",
chegou ao mar. No Rio Grande do
Sul, outro lugar sem muita tradição no movimento, 25 grupos de
rap armaram um festival na praia
de Cassino, que foi vendido como
o primeiro evento do rap brasileiro numa praia.
No mesmo mês, nos eventos de
comemoração dos 450 anos de
São Paulo, a cultura hip hop bateu
na porta da MPB. Na escalação da
superfesta do vale do Anhangabaú, ao lado de artistas como Rita
Lee, Titãs e Maria Rita, foi incluído o nome do rapper Xis.
Conta o bastidor que, nas reuniões de preparação entre a prefeitura, patrocinadores e a Rede
Globo, a presença do rapper chegou a ser questionada. Mas a justificativa de que Xis era capaz de levar mais público que os outros
três convidados juntos encerrou a
questão. E Xis tocou.
Lá (EUA) como cá (Brasil), a intrusão do hip hop em outras culturas já passa a ganhar maior tolerância. Não há outro jeito.
"Um monte de coisas que não
eram aceitáveis antigamente o são
hoje. Não gosto muito dessa mistura, mas respeito. A essência
continua lá. Há os artistas que
mantêm a raiz underground e há
aqueles que fazem canções com
Justin Timberlake. Há opções para todos", opinou à Folha o rapper B-Real, voz do Cypress Hill.
A frase é sintomática, vinda de
um integrante de um grupo de
gangsta rap, o lado radical-violento do hip hop.
Outros nomes outrora gangsta,
como o badalado Jay-Z e o fanfarresco P. Diddy andam trocando
os medalhões de ouro e as camisetas de times de basquete por ternos caríssimos, para mudar suas
imagens. Foi objeto de reportagem do jornal "New York Times".
A "invasão" do hip hop vai tomando forma. A agência Smartbiz, antes exclusiva de DJs de eletrônica, hoje tem em seu cast também KL Jay e DJ Hum.
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