São Paulo, Quinta-feira, 03 de Junho de 1999
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CINEMA - ESTRÉIAS
"Armadilha" inflaciona a arte da reviravolta

INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema

Chama-se reviravolta, num filme, o momento em que uma situação se transforma. O personagem que julgávamos herói é, na verdade, traidor; o policial é um bandido; a situação que se encaminhava para determinada definição muda subitamente e toma outro caminho. Etc.
Em "Armadilha", esse artifício é a tal ponto inflacionado que o espectador corre o risco de chegar ao fim meio tonto. Estamos em um mundo de pura aparência. Gin (Catherine Zeta-Jones) é a investigadora de uma firma de seguros encarregada de prender Mac (Sean Connery), superladrão que acaba de se apossar de um valioso quadro de Rembrandt, guardado num local em princípio inexpugnável.
Logo saberemos que Gin faz do emprego uma máscara: é, na verdade, uma ladra. Será mesmo? Estará fazendo jogo duplo com Mac? E Mac? E Thibaudeaux, o lugar-tenente de Mac?
É interessante, em princípio, que todas essas dúvidas assaltem o espectador, já que elas nos precipitam em um mundo pantanoso, onde os personagens nunca sabem onde pisam. Ou melhor: seria interessante, caso os personagens conseguissem se afirmar como algo mais do que fantoches a serviço das intenções do roteirista e, com isso, o roteirista não tivesse de recorrer tanto às reviravoltas até tornar o tédio insuportável.
Entre uma e outra, acumulam-se lances espetaculares, em que os dois ladrões (seja lá o que forem, agem como tal) dedicam-se a furtos sempre mais ousados.
É verdade que, neste momento em que a idéia de "thriller" se confunde quase sempre com a de uma violência abusiva, "Armadilha" tende, no primeiro momento, a chamar a atenção.
Sean Connery é ali, afinal, uma espécie de James Bond convertido em um ladrão de casaca que utiliza mil e um gadgets fornecidos por Thibaudeaux. E Gin é uma Bond Girl da era feminista, isso é, não mais uma quase figurante com poderes de sedução diabólicos, mas uma mulher ativa, disposta a se afirmar num mundo masculino (seja ele qual for: o dos investigadores ou dos ladrões).
Essa virtude, no entanto, logo se revela insuficiente. À força de ser usada em tempo integral, a ambiguidade logo transforma-se em uma espécie de truque, pois sentimos que qualquer um, no filme, pode ser qualquer coisa.
A descrição de um mundo onde tudo é aparência esbarra na pouca profundidade do diretor Jon Amiel, que já havia perdido uma boa chance de trabalhar sobre o tema em "Sommersby - O Retorno de um Estranho", em que arruinou a fascinante história de Martin Guerre (o homem que desaparece durante uma guerra e ressurge anos depois, sem que se tenha certeza de sua verdadeira identidade).
Por tudo isso, os únicos apoios seguros de "Armadilha" são o carisma e a classe de Sean Connery e a ascendente atriz galesa Catherine Zeta-Jones. Deve-se a ela o momento mais forte do filme, em que todas as sinuosidades de seu corpo são exploradas, ao se exercitar para o furto de uma máscara. É uma espécie de dança sem música, com bela coreografia.
Tirando esse e alguns outros poucos momentos, a verdade é que "Armadilha" está mais para arapuca.


Avaliação:


Filme: Armadilha Produção: EUA, 1999 Direção: Jon Amiel Com: Sean Connery, Catherine Zeta-Jones Quando: a partir de hoje, nas salas Morumbi 1, Olido 1 e circuito

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