|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CINEMA - ESTRÉIAS
"Armadilha" inflaciona a arte da reviravolta
INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema
Chama-se reviravolta, num filme, o momento em que uma situação se transforma. O personagem
que julgávamos herói é, na verdade, traidor; o policial é um bandido; a situação que se encaminhava
para determinada definição muda
subitamente e toma outro caminho. Etc.
Em "Armadilha", esse artifício é
a tal ponto inflacionado que o espectador corre o risco de chegar ao
fim meio tonto. Estamos em um
mundo de pura aparência. Gin
(Catherine Zeta-Jones) é a investigadora de uma firma de seguros
encarregada de prender Mac (Sean
Connery), superladrão que acaba
de se apossar de um valioso quadro de Rembrandt, guardado num
local em princípio inexpugnável.
Logo saberemos que Gin faz do
emprego uma máscara: é, na verdade, uma ladra. Será mesmo? Estará fazendo jogo duplo com Mac?
E Mac? E Thibaudeaux, o lugar-tenente de Mac?
É interessante, em princípio, que
todas essas dúvidas assaltem o espectador, já que elas nos precipitam em um mundo pantanoso, onde os personagens nunca sabem
onde pisam. Ou melhor: seria interessante, caso os personagens conseguissem se afirmar como algo
mais do que fantoches a serviço
das intenções do roteirista e, com
isso, o roteirista não tivesse de recorrer tanto às reviravoltas até tornar o tédio insuportável.
Entre uma e outra, acumulam-se
lances espetaculares, em que os
dois ladrões (seja lá o que forem,
agem como tal) dedicam-se a furtos sempre mais ousados.
É verdade que, neste momento
em que a idéia de "thriller" se confunde quase sempre com a de uma
violência abusiva, "Armadilha"
tende, no primeiro momento, a
chamar a atenção.
Sean Connery é ali, afinal, uma
espécie de James Bond convertido
em um ladrão de casaca que utiliza
mil e um gadgets fornecidos por
Thibaudeaux. E Gin é uma Bond
Girl da era feminista, isso é, não
mais uma quase figurante com poderes de sedução diabólicos, mas
uma mulher ativa, disposta a se
afirmar num mundo masculino
(seja ele qual for: o dos investigadores ou dos ladrões).
Essa virtude, no entanto, logo se
revela insuficiente. À força de ser
usada em tempo integral, a ambiguidade logo transforma-se em
uma espécie de truque, pois sentimos que qualquer um, no filme,
pode ser qualquer coisa.
A descrição de um mundo onde
tudo é aparência esbarra na pouca
profundidade do diretor Jon
Amiel, que já havia perdido uma
boa chance de trabalhar sobre o tema em "Sommersby - O Retorno
de um Estranho", em que arruinou
a fascinante história de Martin
Guerre (o homem que desaparece
durante uma guerra e ressurge
anos depois, sem que se tenha certeza de sua verdadeira identidade).
Por tudo isso, os únicos apoios
seguros de "Armadilha" são o carisma e a classe de Sean Connery e
a ascendente atriz galesa Catherine
Zeta-Jones. Deve-se a ela o momento mais forte do filme, em que
todas as sinuosidades de seu corpo
são exploradas, ao se exercitar para o furto de uma máscara. É uma
espécie de dança sem música, com
bela coreografia.
Tirando esse e alguns outros
poucos momentos, a verdade é que
"Armadilha" está mais para arapuca.
Avaliação:
Filme: Armadilha
Produção: EUA, 1999
Direção: Jon Amiel
Com: Sean Connery, Catherine Zeta-Jones
Quando: a partir de hoje, nas salas Morumbi
1, Olido 1 e circuito
Texto Anterior: Dança: Maranhão vai ao Sesc Próximo Texto: Para atriz, a "química funcionou com Sean" Índice
|